segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Viagens: 1986 e 2007


A Grécia nos anos de 1986 e 2007

Atenas - Acrópole, 1986

Fui à Grécia, pela primeira vez, em Agosto de 1986, em viagem de grupo.
Viagem de trinta dias, em regime de campismo, por essa Europa fora, como já era habitual fazermos desde 1982. Noutra oportunidade explicarei como me meti nessas aventuras e como tudo funcionava.
Por agora, direi que, em 1986, o nosso objectivo foi visitar a Grécia e a Turquia mesmo que, para lá chegarmos, tivéssemos de percorrer muitos quilómetros em Espanha, França, Itália e ex-Jugoslávia. Claro que fomos aproveitando bastante para visitar ou revisitar, muitas localidades desses países.
Não é difícil de adivinhar o porquê de eu ter escolhido, nesta altura, escrever primeiramente sobre esta viagem: a Grécia, pelas piores razões, tem estado na ordem do dia desde há uns tempos, o que é lamentável e injusto.
Sinto muito que este país, berço da civilização ocidental e com um tão valioso património histórico, cultural, artístico, turístico..., se encontre na situação de quase bancarrota e seja encarado por esta comunidade, dita europeia, como um parente pobre, de que todos, incluindo nós portugueses, palermas, se querem distanciar.
Voltando à viagem: da primeira localidade grega de que me lembro é de Larissa (ou Larisa?!), onde entrámos numa tarde de domingo de imenso calor e depois de atravessármos estradas muito poeirentas e uma paisagem muita seca, a fazer lembrar o que também tínhamos por cá. Tudo fechado, à excepção de um lugar onde se vendia fruta e um Café onde pudemos tomar um café gelado e muito cremoso, que muitíssimo bem me soube, embora ao princípio relutasse porque habitualmente não bebo café. Seguimos em direcção a Volos, à procura de um parque de campismo que levávamos assinalado e que, afinal, ficava a 17 km dessa localidade. Chegámos muito ao final da tarde, mas foi uma ópitma surpresa porque se situava à beira de uma praia, em pleno Mar Egeu. Que belas águas quentes e calmas!
No outro dia, seguimos para Atenas, ou antes, para os arredores onde se situava o parque de campismo. Coincidiu que, num largo espaço ao lado do parque, estivesse a decorrer uma espécie de Festa ou Feira do Vinho, e então foi uma alegria para muitos dos meus companheiros de viagem, durante os dois dias, melhor, as duas noites, que lá pernoitámos. Havia provas de vinhos de todas as qualidades e mediante um pagamento à entrada, dávam-nos um copo ou pequena garrafa de vidro, para provarmos todos os vinhos que quiséssemos. Também provei, claro, e lembro-me que o n.º 11 era adocicado o que para mim equivalia a ser bom. Uma coisa que se notava era que todos eles tinham um travo a madeira, e disso não gostei muito.
De Atenas ficou-me muito pouco além da Acrópole e da zona envolvente, virada para o comércio turístico. Lembro-me de lojas repletas principalmente de belas cerâmicas em que, ao entrar-se, as tábuas rangiam e parecia que tudo se ia desmoronar. A Acrópole encantou-me e emocionou-me. Ver ao vivo aquelas colunas erguidas, aquelas ruínas, que só conhecia dos livros, foi uma experiência e tanto!
Como se vê pala foto, o Pórtico das Cariátides, assim como os outros monumentos perto, estavam rodeados de andaimes. Na altura, pensei que tivéramos pouca sorte porque um monumento em obras de conservação, fica sempre um pouco diminuído mas nem por isso deixei de apreciar e bastante. Saí de Atenas com o desejo forte de voltar, embora fosse incerto o quando. Visitámos outras cidades gregas, como Corinto e Tessalónica, com algum interesse esta última, mas nada que me impressionasse tanto como aquela Acrópole de Atenas. Das ilhas, só tivemos oportunidade de visitar Egina, principalmente a praia, onde me deliciei de novo com os banhos naquelas águas magníficas.


Atenas - Acrópole, 2007

Só pude voltar à Grécia em Agosto de 2007 - 21 anos depois!
O tempo do campismo já tinha ficado para trás há muito tempo, por isso esta foi uma viagem de agência, oito dias apenas, que incluía um cruzeiro mas que, curiosamente, também chegava à Turquia: Kusadasi e Éfeso.Viajei com um pequeno grupo de amigos, de que fazia parte também a minha sobrinha.
Pela imagem, pode verificar-se que os andaimes continuam lá pela Acrópole, admito que obras de conservação/restauro sejam constantes. Mas, de novo, me senti muito feliz por estar naquele lugar, apesar de não me sentir muito bem de saúde e o calor contribuir para piorar: eu andava com hemorragias nasais, que foram um tormento.
Desta vez a grande surpresa foi mesmo Atenas. Em 1986 eu não tinha visto praticamente nada da cidade e o pouco que vi deixou-me até desiludida, afinal era uma capital europeia...mas em 2007, que diferença! Uma cidade muito agradável, ruas cheias de gente,  muito arborizada, o que era uma benção tendo em conta o calor imenso, com a típica Plaka muito acolhedora e animada, com a zona comercial muito mais organizada mas sem ter perdido o seu quê de antigo bazar a céu aberto. No centro, entre a Praça Syntagma e Monastiraki, há muitos recantos igualmente arborizados, povoados de pequenas e agradáveis esplanadas. Já não encontrei as lojas em que as tábuas rangiam com aquela quantidade enorme de cerâmicas expostas; fiquei sem saber ao certo se teriam mesmo desaparecido ou eu teria estado noutro lugar que desta vez não consegui localizar. Mas a igreja ortodoxa estava lá onde me lembrava, foi-me fácil reconhecê-la.

Atenas - Igreja ortodoxa

Tratando-se de cruzeiro, tive oportunidade de conhecer as ilhas de Patmos, Mikonos e Creta. Não pude desembarcar em Santorini porque, devido ao problema de saúde que já referi, tive de ficar no hospital do barco. Quem sabe, de uma próxima vez?!
Das ilhas, gostei bastante também, cada uma com seus pontos de interesse, como as baías e enseadas com praias de areia e rochas da pequena ilha de Patmos, os moinhos e as ruas estreitas com chão polido e brilhante de Mikonos, o Palácio de Knossos em Creta.
Patmos
Mikonos

Creta

Também fomos a Delfos, num dos dias em que estivemos em Atenas. Uma viagem de autocarro que demorou umas 2 horas. A guia levou-nos directamente ao Museu, de que muito gostei e onde tive pena de não poder estar mais tempo.
Delfos - Museu
De Delfos partimos para visitar  as ruínas do Santuário de Apolo, situado no monte Parnaso. Havia tanto calor e tanto para subir que me fiquei cá por baixo, ou antes, a meia altura, e apenas vislumbrei as ruínas lá no alto. Fica uma foto do local por onde me deixei ficar.
Monte Parnaso - Santuário de Apolo

Oxalá a Grécia possa reerguer-se, oxalá eu possa voltar, não só para revisitar mas pelo muito que tem para descobrir.

sábado, 9 de julho de 2011

Meruges, Mostajos e Míscaros

Meruges, Mostajos e Míscaros


Não me vou alongar em definições e explicações etimológicas porque, sobre isso, existe muita informação disponível no google, para além de várias imagens.
Como não tenho fotos, vai assim, a seco, apenas à força de lembranças, lembranças de bons sabores, que não se me apagam.
A partir de Janeiro e mais ainda na entrada da Primavera, a salada corrente era a de meruges. Compravam-se na praça (mercado) aos molhinhos, atados com um baraço. Plantinha verde, tão pequena, tão frágil, crescida nos regatos e ribeiros que, na época da minha infância e juventude, ainda eram de águas cristalinas. Temperada com azeite, cebola e sal, raramente falhava na mesa enquanto se obtivesse fresca e viçosa. A concorrente, era a salada de agrião, mas, para mim, a de meruges era a eleita.
Entrava o Verão e passavam a reinar as saladas de pepino, tomate e pimentos. Curiosamente, de alface não tenho praticamente memórias, talvez porque não fosse tão vulgar.
Do Outono para o Inverno, surgiam os mostajos e os míscaros.
Dito assim, parecem produtos equivalentes, mas não. Os mostajos começavam a pintar em finais de Setembro, eram pequenos frutos, mais ou menos do tamanho de avelãs, mas de um amarelo torrado. A garotada (eu incluída), subia aos mostajeiros das redondezas para cortar os ramos de onde pendiam em cachos e eram comidos logo ali. Tinham um sabor adocicado e eram um pouco farinhentos, mas nem por isso os desdenhávamos. Dizia-se que, se comidos em quantidade, podiam até embebedar, mas acredito que esse efeito só se produziria com enorme quantidade, porque não me lembro de termos, alguma vez, ficado "tocados", com a barrigada que deles comíamos.
Mas lembro-me das esfoladelas nos joelhos e de alguns tombos, felizmente sem grandes consequências.
Ocorreu-me agora que esta situação (a subida às árvores) também acontecia no tempo das cerejas e das groselhas. Íamos pelas quintas que havia perto e, umas vezes com consentimento dos donos, outras à socapa, trepávamos pelos troncos para cortar pernadas carregadas desses saborosos frutos e chegávamos a casa felizes mas em estado lastimoso. Escusado será dizer que a minha mãe não achava muita graça a estas façanhas e algumas vezes tivemos de nos ir desculpar...
Com o aumento da humidade outonal, apareciam nos pinhais os míscaros. As gentes das aldeias dedicavam-se a colhê-los e a levá-los aos mercados das vilas e cidades; eram, tal como as meruges, também uma fonte de rendimento. Experientes, sabiam distinguir os comestíveis dos venenosos e não era muito vulgar errarem, o que não quer dizer que não acontecesse.
Na minha cidade, era também à praça que íamos comprá-los, onde eram vendidos às malgas. Três ou quatro malgas de míscaros, vertidas para um cantinho acomodado da cesta de verga, era normalmente a quantidade que a minha mãe trazia para casa. Depois, era guisá-los como se de pedaços de carne se tratasse, mas com o cuidado de incluir no tempero a colherzinha de prata que se ia buscar ao faqueiro. Era esta colherzinha que determinaria se sim ou não teríamos na mesa uma saborosa refeição de míscaros; é que, se no fim do cozinhado, ela saísse negra, sem sombra da sua cor característica, adeus míscaros, que iam do tacho directamente para a pia, porque nem para o caldeiro das viandas, serviam.
Isto não aconteceu muitas vezes, mas aconteceu.
Não voltei a comer míscaros desde que deixei definitivamente a cidade, nem mesmo quando voltava anualmente ou por alguma ocasião especial. O mesmo, quase posso dizer sobre as meruges e os mostajos. Das meruges, trouxeram-me uma vez uns dois ou três molhinhos, para matar saudades, mas não reconheci o sabor, por isso não quis que voltassem a trazer-mos. Dos mostajos, só pude uma vez chegar a um raquítico mostajeiro, em Vilar Maior (terra do meu avô paterno), mas estavamos em Agosto, não havia mostajos.
De tudo, sobrou-me a colherzinha de prata, que anda por aqui escondida numa gaveta.

domingo, 29 de maio de 2011

Carqueja

Carqueja


CARQUEJA EM FLOR

Esta imagem, tive de ir "roubar" ao google, infelizmente não tenho qualquer foto em que a carqueja, da minha infância e juventude, apareça.
Também não é assim, florida, que me mais me lembro dela, mas sim seca, espinhosa, a ponto de até nos ferir os dedos.

Nesta última semana, mais do que uma vez ouvi falar da carqueja, ontem à noite, foi a última delas e então, pelo que noticiaram, vieram à minha à memória os meus tratos com a carqueja.

Logo pela manhã, gelada de cortar a respiração, uma das primeiras tarefas era precisamente subir ao sobrado (andar esconso da casa), para pegar nuns ramos de carqueja seca que se tinha armazenada, colocá-los no centro das braseiras de cobre, rodeá-los e cobir-los de pedaços de carvão de que também tínhamos provisão em sacos de sarapilheira, trazer as braseiras já assim preparadas para baixo, levá-las para a varanda e, riscando um fósforo ou muitos, esperar que a carqueja começasse a arder e as chamas "pegassem" ao carvão, que se fosse de azinho melhor seria porque arderia mais lento durante todo o dia, aquecendo-nos a nós e à casa. As braseiras eram encaixadas em estrados de madeira apropriados para o efeito (com buraco no centro, portanto), as brasas iam-se remexendo e activando de vez em quando, com as pás também de cobre. Para aquecer ou enxugar roupas, colocávamos por cima os enxugadores, feitos em arame em forma de campânula e à medida do diâmetro da braseira.

Era em volta dos estrados das braseiras que dispunhamos as cadeiras de verga e nos escarranchávamos para nos aquecer, ao mesmo tempo que estudávamos, conversávamos ou fiziamos os nossos bordados e rendas. As pás das braseiras andavam sempre de mão em mão, cada um mexendo e remexendo, às vezes só já as cinzas, para fazer emergir mais o calor. Durante as refeições, uma das braseiras ia para debaixo da mesa e depois era ver quem melhor encontrava, no estrado, um lugar para os pés aquecerem.

No fim de cada Inverno, as "barrigas" das nossas pernas estavam cheias de "chouriças", ou seja, manchas avermelhadas e arredondadas, provocadas pelo calor das brasas, manchas essas que nem as meias grossas nos livravam de ter e que perduravam quase até ao Verão.

Mas nem sempre a carqueja, mesmo seca, estava disposta a deixar-se consumir pelas chamas; algumas vezes estava húmida, só para nos fazer descoroçoar e obrigar a ir à procura de um bocado de jornal velho que lhe metíamos entre os ramos, já a arder, para a espevitar. Isto causava sempre maior fumarada, mais perda de tempo e também que ficássemos ainda mais sujas do que já estávamos depois de já ter pegado nela e no carvão. Digo sujas e não sujos, porque esta era uma das muitas tarefas que pertenciam praticamente só às mulheres.

Vivendo na cidade e não no campo, a carqueja e o carvão compravam-se, ia-se ao carvoeiro, periodicamente, para se trazerem de lá em cestas e sacos. Lembro-me bastante bem da loja do carvoeiro, mais um buraco do que algo parecido a loja, onde nos deparávamos sempre com uma nuvem negra de pó, paredes, chão, bancos de madeira, tudo enegrecido e pegajoso. Muitas vezes ouvíamos primeiro o carvoeiro antes de o ver, isto quando ele estava mais para os fundos e não o distinguíamos dos montes de carvão que ele ajeitava às pasadas. Quando aparecia ao pé de nós, só os olhos avermelhados e piscosos e os dentes amarelecidos, se distinguiam em toda aquela negritude. Depois enchia-nos as cestas e os sacos com tantos molhos de carqueja e tantos quilos de carvão, quantos pedíramos. Chegávamos a casa, no mínimo, com as mãos pretas e arranhadas e, nesta tarefa, já o meu irmão também participava.

Outra utilidade da carqueja, e foi esta a que me despertou as memórias porque ontem a noticiaram, era a de contribuir para apaladar as carnes, ou seja, se queríamos comer um coelho ou lebre saborosos, a melhor forma de o conseguir era colocá-los um bom bocado antes de irem para a panela, esparramados em cima de um molho de carqueja, dentro de uma grande travessa de esmalte que punhamos no escuro da despensa ou da entrada para o sobrado.

Este procedimento, resultava especialmente nos coelhos, que comprávamos vivos na praça e eram engordados em casa num galinheiro-coelheira - tínhamos uma estrutura destas na varanda das traseiras, onde além dos coelhos também lá metíamos os galos e galinhas. As lebres, compravam-se aos caçadores, que as vendiam não só na praça mas também pelas ruas, bem como às perdizes. Neste caso, tratava-se só de esfolá-las ou depená-las, mas as lebres, se queríamos que mantivessem o gosto selvagem dos montes, tinham de ir à carqueja.

Também havia o chá de carqueja para algumas enfermidades, mas lembro-me mais de ouvir falar dele do que de o beber.

Ainda conservo um estrado e uma braseira, que trouxemos da minha antiga casa da Guarda.

A carqueja e o carvão foram substituídos por braseiras eléctricas, e é uma dessas que tenho dentro da braseira de cobre, encaixada no estrado que deu para colocar por baixo da minha camilha da cozinha. Continuam a dar muito conforto nos dias mais frios do Inverno.

























sábado, 14 de maio de 2011

Relíquias 2

Relíquias 2


Já foi bom ter conseguido mostrar três fotos no  "Relíquias 1", por isso não insisti em inserir mais com medo de estragar tudo, sim porque, para conseguir levar as fotos para o sítio certo, ainda me fez "suar as estopinhas" e até, de uma vez, quase perder tudo o que já tinha feito... ainda sou (e se calhar nem vou deixar de ser), muito "naba" nestas coisas...
Para evitar sobressaltos, vou indo até onde me sinto segura e então criei este "Relíquias_2 ( e talvez ainda o 3, 4...) para inserir mais antiguidades fotográficas e discorrer sobre elas.
Aqui vai esta:



1973 (?) - Alameda
De facto, esta é a única foto que a minha amiga se esqueceu de datar e situar, mas, situá-la, é fácil, não se esquece o nosso relvado da Alameda assim tão depressa...

Depois de várias conjecturas, cheguei à conclusão que pode ser de 1973: a Aida parece ainda não estar grávida da sua Clarinha, como já era evidente na foto de 1974, o meu cabelo estava ainda bem pior também, mais comprido, assim como o da Maria. A única que parece na mesma, é a Mariazinha.

Mas há mais colegas nesta foto, que gosto de relembrar: a Clementina, tão divertida e amiga, de quem, lamentavelmente, não voltei a saber mais nada, a Lubélia, de quem fui bastante amiga, mas assinalo o fui, porque as voltas que o mundo dá nos levam a desilusões com algumas pessoas e elas a desiludirem-se connosco, então, quando isso acontece, da amizade resta só a lembrança; não voltei a vê-la. Mas há ainda as manas, as queridas manas, Miraldina e Alice, que também nunca mais vi mas sobre quem por vezes ia sabendo algo. Mudaram-se para Évora e, durante anos e anos, o pouco que fui sabendo foi através da Mariazinha. Há uns dois ou três anitos para cá, já nem sei bem se por iniciativa da Miraldina ou minha, começámos a contactar-nos pelo telefone. Da Alice, sempre soubemos que se foi daqui para casar com o seu amado Quim Zé, de que tanto falava e por quem tanto chorava, se alguma carta, lá do ultramar, não chegava no tempo previsto. À Miraldina, sucedeu o mesmo que a algumas de nós, ou seja, ficou para tia.

Passados todos estes anos, casadas ou solteiras, atingimos porém o mesmo estatuto, o de aposentadas. Refiro-me, claro, às amigas com quem contacto, mas a avaliar pela idade, o mesmo se deve passar com as outras. Assim, umas tratam agora dos netos, outras dos pais e mães velhotes, ou dos sobrinhos e sobrinhos-netos.

Termino o "Relíquias_2",com duas fotos de 1974.

10-11-1974 -Cascais

Como se pode observar, o céu estava límpido, por isso, apesar do Outono, o tempo ainda devia estar bem ameno para permitir bons passeios à beira-mar.
Creio ter sido eu a fotógrafa da primeira foto porque, na foto abaixo, embora quase despercebida, sou eu que estou lá. Mas também pode ter sido a Alice a fotografar, uma vez que, nessa foto, ela não figura. Na época, eu morava na Parede, portanto é bem possível que as minhas amigas tenham ido ter comigo primeiro e depois seguimos de combóio para Cascais, ou então foi mesmo na estação de Cascais que nos encontrámos todas. Ou será que a Miraldina já tinha o mini e foi com ela que fomos?

Corrijo depois, se por acaso alguma das amigas souber esclarecer este ponto.





sábado, 7 de maio de 2011

Relíquias 1

Relíquias 1

Continuo quase sem divulgar este meu blogue, posso mesmo adiantar que apenas uma meia dúzia de pessoas têm conhecimento dele, que apenas uma leu alguma coisa e uma outra somente leu os títulos. Foi precisamente essa, a que só leu os títulos, que, há umas semanas, comentou, com toda a franqueza, que não percebia porque é que eu me dava ao trabalho de escrever aquilo e perguntou-me mesmo se achava que alguém se interessaria por aqueles meus escritos. Confesso que fiquei um tanto chocada, mas respondi-lhe que era a mim que interessavam aqueles escritos, que gostava de escrever sobre alguma coisa do que ainda me lembrava.


Mas, desde então, tenho pensado bastante no que ela me disse: de facto, para quê?
Entretanto, uma outra das amigas, daquelas que só têm conhecimento da existência do blogue, veio visitar-me e trouxe-me algumas relíquias fotográficas dos nossos tempos de juventude trabalhadora. Fiquei espantada porque não me lembrava nada daquelas fotos e, pior ainda, muito pouco dos momentos que retratam. Felizmente, ela teve o cuidado de datá-las e situá-las e assim, embora alguns dos locais sejam evidentes, ajudaram-me a reavivar memórias.
Então pensei na resposta que dei à amiga que não encontrou qualquer interesse no que eu para aqui escrevia e decidi que, enquanto acreditar nisso, os meus escritos vão continuar e estas fotos reforçaram a minha decisão. Escolhi esta para primeira, embora tenha outras anteriores.




Agosto de 1974 - Alameda D. Afonso Henriques
Estávamos no ano da Revolução, ainda tão fresca e promissora, e muito felizes por trabalharmos ali, na Caixa do Comércio, tão próximo do Instituto Superior Técnico, um dos focos revolucionários. À excepção de uma, as colegas que estão comigo na foto, continuam a ser algumas das minhas queridas amigas. As quatro que estamos juntas, também trabalhávamos juntas, quer dizer, na mesma secção; a que está mais desgarrada pertencia a outro serviço mas era uma rapariga muito sociável e muito bem disposta, às vezes um bocado desbocada, mas não se lhe levava a mal. Convivemos mais quando se juntou a mim e a outra das retratadas (igualmente sociável e bem humorada), como trabalhadora-estudante. Até agora ainda não me esqueci das nossas hilariantes viagens no 2.º andar dos verdes da Carris, para o Liceu D.Dinis, onde iniciámos os então denominados complementares (em aulas nocturnas), melhor dizendo, o antigo 6.º ano liceal. Também me recordo bem de algumas peripécias que passámos quando regressávamos, perto da meia-noite, a casa... de uma vez em que chovia torrencialmente, o nosso professor de História (Dr. Barbosa ?),como já antes fizera, ofereceu-nos boleia até ao Areeiro e, a partir dali, foi essa colega que tratou de arranjar uma outra boleia com o primeiro carro que apareceu, um mini vermelho, conduzido por um rapaz que se prontificou logo a levar-nos. Fiquei com os cabelos em pé, cheia de receios, mas "embarquei" com elas na aventura porque estávamos a ficar encharcadas e, autocarros, nem vê-los! Para azar meu, fui a última a deixar o carro, no Cais do Sodré (que óptimo local, não é?), onde tinha de apanhar o combóio para a linha de Cascais. Mas o dito rapaz não queria deixar-me por ali, queria conversa, que naquela altura ainda não havia muitos maiores atrevimentos. Mas insisti que tinha o meu irmão à espera no combóio, agradeci bastante e lá me vi livre dele. Devo acrescentar que foi só nessa altura que ele ouviu o tom da minha voz, porque durante todo o tempo que estivemos no carro, as minhas duas colegas é que fizeram a "despesa" da conversa, foi ele mesmo que me fez esse reparo. Eu era, de facto, demasiado tímida e temerosa.
Recuo agora a 1972.


10-12-1972 - Castelo de Leiria
Ia no meu terceiro ano de trabalho naquela Instituição de Previdência, as amizades eram ainda recentes mas algumas, como já referi, perduram até hoje.


Não consigo recordar pormenores mas esta ida a Leiria fez parte de um passeio que alguém organizou e que nos levou também a Coimbra, Conimbriga, Batalha e Tomar, durante, talvez, um fim-de-semana. Era um grupo grande, não só constituído por colegas de trabalho mas também por amizades e familiares de alguns. Tenho mais fotos desse passeio, se conseguir passá-las para aqui, ficarei satisfeita. Escolhi esta porque, desde essa altura, não me lembro de ter voltado a Leiria. Parece incrível, mas é verdade, talvez tenha já passado por lá, mas não permanecido. Por isso não me lembro quase nada da cidade nem do Castelo.


Curiosamente, a amiga que me trouxe as fotos, decidiu mudar-se para Leiria, depois de muitos, muitos anos a viver em Lisboa e arredores. A foto não está muito nítida, aliás como quase todas, mas dá para ver quem está. Uma das colegas, infelizmente, já nos deixou, e duas outras não faço ideia por onde andam.

10-12-1972 - Conimbriga
Sempre consegui inserir mais esta, aos poucos vou descobrindo a melhor forma de lidar com isto.


Aqui estamos nós, o núcleo de amigas que tem envelhecido ao mesmo tempo sem se ter perdido muito de vista, ou antes, sem ter perdido contacto, porque vermo-nos não é muito frequente, a não ser no caso da amiga do lado esquerdo, a tal que se mudou para Leiria, mas que ainda aparece por cá de vez em quando.


De Conimbriga, também não retive nessa altura, grande coisa. Fiquei a saber que se tratava de um local de vestígios de uma cidade romana, como havia outros na Península Ibérica, mas não me lembro de ter dado a devida importância àquele, mais ou menos, amontoado de pedras, ainda mal explorado e estudado. Na altura, não fazia ideia de que viria a interessar-me, e muito, por tudo o que dissesse respeito ao nosso património histórico e à História, e orientasse, nesse sentido, as minhas escolhas para o futuro.


Durante a realização da minha licenciatura (de 1976 a 1981) e depois já no exercício da minha actividade docente voltei lá, claro, como não podia deixar de ser para uma pessoa que tinha optado pelo estudo da História e o seu ensino, e então fui vendo tudo com outros olhos. Também levei lá os meus alunos e procurei que vissem o que eu não vi da primeira vez que lá fui e já bem mais velha do que eles. Resta-me a esperança de que algum desses alunos se tenha interessado por aquele património, quanto mais não seja, pela sua preservação.
Dou-me conta de que tenho estado a evitar escrever os nomes das minhas colegas e amigas. Quando iniciei o blogue, não me preocupei nada com isso e mencionei os nomes e apelidos das pessoas que estavam nas fotos ou que se relacionavam com alguma situação. Mais tarde, alguém me chamou à atenção que um blogue, mesmo que só o divulguemos a quem queremos, é sempre acessível a quem navega neste mundo virtual. Acabei por constatar isso mesmo quando, para minha surpresa, uma amiga a quem nunca tinha falado do blogue, me comunicou que o tinha visto, ou antes, o filho dela é que o tinha descoberto e lho tinha mostrado.


Depois disso, revi alguns dos textos e retirei os apelidos, noutros casos fiz o que fiz agora, escrevi sem mencionar nome algum. Mas não gosto, parece que falta alguma coisa. Bem, acho que vou fazer assim: as amigas de que mais falei hoje aqui e estão nas fotos, são a Maria, a Mariazinha e a Aida. Pronto, já me sinto melhor!









































































































































































































domingo, 6 de março de 2011

Outros Carnavais...

Outros Carnavais...Esta foto foi tirada no último Carnaval que passei na minha cidade natal e, sendo assim, data de Fevereiro de 1969.


Nunca tinha ido a um baile de Carnaval porque, enquanto fui estudante, esta quadra era, invariavelmente, passada em casa. Neste ano, porém, eu já entrara no mundo do trabalho, fizera novos conhecimentos e, enfim, já me sentia adulta nos meus 19 anos. Foi uma amiga recente, que era irmã de uma moça que veio a ser minha tia, quem me incentivou a ir a este baile.

O dito baile foi no Grémio, onde só me lembro de ter ido quando era muito criança, pela mão do meu pai, que era sócio. Depois nunca mais lá voltara. Esta ida ao baile de Carnaval do Grémio, o mais badalado da cidade, não deixou por isso de ser um acontecimento.

Conforme se pode facilmente verificar pela atitude de quem está retratado (eu incluída, claro), era daqueles bailes à antiga, em que as raparigas se sentam em volta da sala, à espera de quem as venha convidar para dançar. As mães, irmãs mais velhas ou outros adultos confiáveis, cumpriam o seu papel de discreta vigilância. Os rapazes e homens, amontoavam-se um bocado noutro canto da sala e iam dando umas miradas para ver quem iriam convidar a seguir; alguns dispunham-se estrategicamente em lugar mais avançado, não fosse outro qualquer buscar a escolhida. As raparigas observavam todas estas manobras aos risinhos e segredinhos umas com as outras. Quando não agradava a alguma aquele que já se dirigia na sua direcção, levantava-se repentinamente em direcção aos lavabos ou então fingia-se desentendida olhando por cima do ombro do candidato a rejeitado dando-lhe a entender que, atrás, havia outro com quem já se tinha comprometido. Outra situação, era aquela em que o par tendo-se entendido bem nos passos de dança e, claro está, fazendo gosto na companhia mútua, dava-se a conhecer a outros candidatos que já se tinha compromisso até final do baile.

Foi mais ou menos isto o que me sucedeu neste baile. Para minha grande surpresa, um colega de trabalho, com quem nunca trocara sequer duas palavras no serviço (além do bom dia, boa tarde), de quem desconhecia tudo, incluindo o nome, veio convidar-me para dançar. Penso que nem tive tempo de raciocionar, quanto mais balbuciar alguma coisa e, de repente, vi-me nos braços desse colega que, com toda a gentileza, me conduzia pelo salão. Acho que tropecei muito, desacertei outro tanto, mas a certa altura o rapaz, vendo a minha atrapalhação, achou por bem encetar uma conversa qualquer que me fez sentir mais à vontade e deu para terminar aquela modinha, já mais segura dos passos que dava. Mas, senti-me profundamente aliviada quando retornei ao meu lugar e as minhas faces começaram a arrefecer. Porém, durou pouco o meu descanso porque o rapaz ali estava de novo a solicitar-me, mal a música seguinte começou. A partir dali e, até às quatro ou cinco da manhã, não dancei com mais ninguém e por várias vezes, entre uma música e outra, nem sequer me fui sentar no meu lugar porque, não só a dança como a conversa, nos envolveram de forma total.

Pior mesmo foi voltar ao trabalho e deparar-me com aquela pessoa.
Que o dito colega me tinha impressionado, disso não tinha dúvidas, mas enfrentá-lo a partir dali é que me fazia tremer as pernas. Como eu temia, o rapaz mostrava-se agora cheio de atenções para comigo o que logo fez arquear as sobrancelhas das minhas colegas. Elas não tinham estado no baile mas logo houve quem as informasse do que se passara no Grémio. Não tardou muito que uma delas me avisasse que o rapaz era comprometido, de casamento marcado até, e que era melhor eu esclarecer tudo para não criar ilusões. Descansei-a dizendo-lhe que por mim tudo se resumira a um baile que tanto para mim como para ele, correra bem. Não ia alimentar coisa alguma porque não era essa a minha vontade e, certamente, também não seria a dele. No que me toca, era verdade, mas não sei o que lhe passou a ele pela cabeça porque durante os meses seguintes não deixou de me cortejar. Quando chegou a Páscoa e por mero acaso, veio a ser meu compadre (no jogo dos bilhetinhos ) e logo se apressou a presentear-me com as amêndoas. Quando chegaram as festas dos santos populares e dos bailaricos de rua, ainda me arrastou para um deles. A forma que encontrei ser a melhor para lhe dar a entender que não estava interessada fosse no que fosse, foi tornar-me "tão pesada" na dança que ele acabou por me dizer que lhe parecia que eu estava a fazer de propósito ou já não era a mesma pessoa. - De facto, uma dessas coisas era verdade, ou se calhar até as duas - respondi-lhe.

Entretanto, chegou o bendito mês de Julho e eu deixei aquele trabalho quase de repente e rumei a Lisboa.

Só para terminar, acrescento duas coisas:

1.ª - Não faço ideia do rumo que levaram as vidas das pessoas que estão comigo na foto, só me lembro do nome de duas, sendo que, uma delas, vivia na minha casa e chegou a ser uma grande amiga. Mas o tempo passa e tudo muda.

2.ª - A história deste baile de carnaval, ainda hoje me faz sorrir, mas as histórias dos outros carnavais que passei em casa, em que também houve bailaricos na cozinha, já não têm em mim esse efeito. Pelo contrário, trazem-me lembranças que ainda agora me magoam.

domingo, 9 de janeiro de 2011

O meu Presépio


O meu Presépio







Presépio de 1949

De facto, este Presépio já tem mais de 65 anos. Tinha eu 4 meses de idade quando me foi oferecido pelos meus padrinhos que, vivendo no Brasil, estavam de visita à família naquele ano.
Penso que não terá passado um só ano em que o Presépio não tenha sido armado e, várias vezes, em casas diferentes. Que eu saiba, pelo menos em meia dúzia delas, sendo que, nos últimos vinte e tal anos, tenha por morada a casa do meu irmão, na Parede. Isto porque, sendo a minha sobrinha a única criança da minha família mais próxima, era natural que assim passasse a ser.
As maiores recordações que tenho do Presépio vêm da penúltima casa em que vivi, na minha terra. Ao contrário das outras casas, em que, provavelmente, nem sempre foi montado no mesmo sítio, naquela casa e durante os anos em que lá vivemos, o sítio do Presépio foi sempre o mesmo, ou seja, num recanto do espaçoso e comprido corredor que fazia a ligação entre uma espécie de "duas casas" e que por isso tinha várias divisões (quartos/salas), duas cozinhas e duas entradas para o mesmo quintal, que assentava na muralha da cidade.
Naquela época, a preparação para a montagem do Presépio, levava o seu tempo e por vezes surgiam dificuldades. O pinheiro era um pinheiro natural e demorava por vezes a encontrar, nas redondezas, um que fosse viçoso e do tamanho ideal (eu vivia numa cidade...). Dessa tarefa era mais o meu pai que se incumbia, mas dos musgos, éramos nós, eu e o meu irmão e também a garotada da vizinhança, que tratávamos. E arranjá-los, não era "pera-doce"; não porque faltassem, mas porque, em anos de muita neve, ficavam escondidos por baixo e era o cabo dos trabalhos conseguir chegar-lhes.

Eu vivia próximo de uma das saídas da cidade, portanto havia terrenos baldios mesmo ali, como a Reinalda e o Torreão, de que já tive oportunidade de falar noutra mensagem deste blogue. Bastava sair de casa e não precisavamos de nos afastar muito para, naqueles muros dos últimos quintais e nos barrocos desses baldios, encontrarmos o que precisávamos. Levávamos um cesto de verga, uma pá de ferro daquelas das braseiras e umas facas, e devotávamo-nos à tarefa de retirar a neve, escarafunchar e, com muito jeito, cortar os pedaços de musgo do maior tamanho possível. Enchíamos o cesto e lá íamos para casa, onde subíamos as escadas a correr para dispor os musgos no espaço já delimitado por jornais ou mantas velhas e voltávamos rapidamente à rua para trazer mais enquanto a neve ou o gelo não voltassem a cobrir o terreno desbravado.

O frio parecia golpear-nos o rosto e os dedos, mesmo enluvados, mas depois de um bocado de actividade, até já sentíamos calor e íamos tirando as luvas e os gorros.
Com o musgo todo colocado, restava armar uma cabana por baixo do pinheiro e para isso nós tínhamos o objecto ideal, que era a tacoila (joelheira) em madeira, que servia para, quando lavávamos o soallho, nos ajoelharmos dentro e assim não nos molharmos. Ora esse objecto servia na perfeição, desde que bem coberto e forrado com musgo. Depois estendíamos uma prata, que se moldava em curva para, por cima, colocar a pequena ponte de barro e assim imitar um ribeiro. Também não faltavam, a enfeitar, umas pedrinhas do rio, que havíamos trazido do rio Mondego quando, nas suas margens, fazíamos piqueniques, no Verão. As figuras eram dispostas de acordo com o estatuto que tinham e também, claro está, com a forma que nos parecesse mais bonita e sempre de maneira que diferenciasse o Presépio de um ano para o outro. Para imitar os caminhos, colocávamos uns carreiros de serradura, que o meu irmão ia buscar à serração. O Pinheiro, tinha invaravelmente muito algodão em rama espalhado pelas suas agulhas verdes para imitar os fiapos de neve, umas bolinhas coloridas que se compravam, outras feitas de pratas coloridas e, às vezes, as próprias pinhas ainda pequenas e verdes também. Estrategicamente, fazia-se pender uma Estrela prateada no alto do pinheiro e, por cima da canana, lá figurava o Anjo. Também não faltava alguma iluminação eléctrica, e aí era também o meu pai que se encarregava de fazer umas ligações de modo a termos uma lâmpada a incidir na Estrela, o resto era a poder de velinhas pequenas, vermelhas, que espetávamos no musgo, em redor da Sagrada Família. Não sei se terá sido o último Presépio que se montou naquela casa, mas tenho uma vaga ideia de que sim, porque no ano seguinte já nos tínhamos mudado para última casa onde morei na cidade, que era a casa onde tinham morado os meus avós paternos.

A lembrança que tenho é que, naquele ano (talvez 1959 ?) e naquela casa, montei o Presépio a chorar, a chorar de dor, porque estava doente. Não conseguia nem sequer sentar-me, porque me tinham aparecido uns furúnculos nas pernas e um, particularmente doloroso, numa das nádegas. Era comum, naquela época, as pessoas terem furúnculos, não faço ideia a que é que isso se devia, só sei que nunca mais me lembro de ter tido depois e, com os anos, parece que cairam em "desuso".

Esse Natal foi triste para mim porque me sentia muito mal, mas quase todos os Natais da minha infância e adolescência foram pouco alegres também, mas por outras razões que não vêm agora a propósito mencionar.

O Presépio sofreu, ao longo do tempo, alguns pequenos danos, como por exemplo a perna quebrada do Menino Jesus; a este episódio está associada a teimosia do meu irmão e minha também, em querermos ambos pegar nele para o depositar na sua "caminha" de palha. Como ainda agora, o Menino Jesus não fazia parte do Presépio logo que este era montado, aguardava-se a noite de Natal para o colocar lá e também, claro, umas meias penduradas no pinheiro, para os presentes.
Os presentes! De que é que constavam os aguardados presentes? Livros, jogos, brinquedos?

Nada disso. Os presentes eram as camisolas interiores e as meias, luvas e casacos de malha, tricotados pela avó. Mas havia, invariavelmente, umas outras prendas que eram, afinal, aquelas por que mais ansiavámos: os lápis com pratas de várias cores, os ratinhos, os sininhos e outras miniaturas, tudo em chocolate.
Uma maravilha!

Mais tarde, pelo que me lembro, também começámos a receber uns brinquedos ou objectos úteis e vistosos, como uma pasta para a Escola. Esses brinquedos, não eram qualquer coisa, eram de facto únicos, ou seja, na vizinhança ninguém tinha igual. Recebíamos essas prendas do Banco Espítrito Santo, onde o meu pai era funcionário. Mas depressa acabaram essas ricas prendas porque, entretanto, crescemos e deixámos de ter direito. Perdeu-se tudo? Não, a mim, ainda me resta o boneco, tipo bébé-chorão, que trazia biberon e tudo e abria e fechava uns lindos olhos azuis... como os da imagem do nosso Menino Jesus.