Carqueja
CARQUEJA EM FLOR
Esta imagem, tive de ir "roubar" ao google, infelizmente não tenho qualquer foto em que a carqueja, da minha infância e juventude, apareça.
Também não é assim, florida, que me mais me lembro dela, mas sim seca, espinhosa, a ponto de até nos ferir os dedos.
Também não é assim, florida, que me mais me lembro dela, mas sim seca, espinhosa, a ponto de até nos ferir os dedos.
Nesta última semana, mais do que uma vez ouvi falar da carqueja, ontem à noite, foi a última delas e então, pelo que noticiaram, vieram à minha à memória os meus tratos com a carqueja.
Logo pela manhã, gelada de cortar a respiração, uma das primeiras tarefas era precisamente subir ao sobrado (andar esconso da casa), para pegar nuns ramos de carqueja seca que se tinha armazenada, colocá-los no centro das braseiras de cobre, rodeá-los e cobir-los de pedaços de carvão de que também tínhamos provisão em sacos de sarapilheira, trazer as braseiras já assim preparadas para baixo, levá-las para a varanda e, riscando um fósforo ou muitos, esperar que a carqueja começasse a arder e as chamas "pegassem" ao carvão, que se fosse de azinho melhor seria porque arderia mais lento durante todo o dia, aquecendo-nos a nós e à casa. As braseiras eram encaixadas em estrados de madeira apropriados para o efeito (com buraco no centro, portanto), as brasas iam-se remexendo e activando de vez em quando, com as pás também de cobre. Para aquecer ou enxugar roupas, colocávamos por cima os enxugadores, feitos em arame em forma de campânula e à medida do diâmetro da braseira.
Era em volta dos estrados das braseiras que dispunhamos as cadeiras de verga e nos escarranchávamos para nos aquecer, ao mesmo tempo que estudávamos, conversávamos ou fiziamos os nossos bordados e rendas. As pás das braseiras andavam sempre de mão em mão, cada um mexendo e remexendo, às vezes só já as cinzas, para fazer emergir mais o calor. Durante as refeições, uma das braseiras ia para debaixo da mesa e depois era ver quem melhor encontrava, no estrado, um lugar para os pés aquecerem.
No fim de cada Inverno, as "barrigas" das nossas pernas estavam cheias de "chouriças", ou seja, manchas avermelhadas e arredondadas, provocadas pelo calor das brasas, manchas essas que nem as meias grossas nos livravam de ter e que perduravam quase até ao Verão.
Mas nem sempre a carqueja, mesmo seca, estava disposta a deixar-se consumir pelas chamas; algumas vezes estava húmida, só para nos fazer descoroçoar e obrigar a ir à procura de um bocado de jornal velho que lhe metíamos entre os ramos, já a arder, para a espevitar. Isto causava sempre maior fumarada, mais perda de tempo e também que ficássemos ainda mais sujas do que já estávamos depois de já ter pegado nela e no carvão. Digo sujas e não sujos, porque esta era uma das muitas tarefas que pertenciam praticamente só às mulheres.
Vivendo na cidade e não no campo, a carqueja e o carvão compravam-se, ia-se ao carvoeiro, periodicamente, para se trazerem de lá em cestas e sacos. Lembro-me bastante bem da loja do carvoeiro, mais um buraco do que algo parecido a loja, onde nos deparávamos sempre com uma nuvem negra de pó, paredes, chão, bancos de madeira, tudo enegrecido e pegajoso. Muitas vezes ouvíamos primeiro o carvoeiro antes de o ver, isto quando ele estava mais para os fundos e não o distinguíamos dos montes de carvão que ele ajeitava às pasadas. Quando aparecia ao pé de nós, só os olhos avermelhados e piscosos e os dentes amarelecidos, se distinguiam em toda aquela negritude. Depois enchia-nos as cestas e os sacos com tantos molhos de carqueja e tantos quilos de carvão, quantos pedíramos. Chegávamos a casa, no mínimo, com as mãos pretas e arranhadas e, nesta tarefa, já o meu irmão também participava.
Outra utilidade da carqueja, e foi esta a que me despertou as memórias porque ontem a noticiaram, era a de contribuir para apaladar as carnes, ou seja, se queríamos comer um coelho ou lebre saborosos, a melhor forma de o conseguir era colocá-los um bom bocado antes de irem para a panela, esparramados em cima de um molho de carqueja, dentro de uma grande travessa de esmalte que punhamos no escuro da despensa ou da entrada para o sobrado.
Este procedimento, resultava especialmente nos coelhos, que comprávamos vivos na praça e eram engordados em casa num galinheiro-coelheira - tínhamos uma estrutura destas na varanda das traseiras, onde além dos coelhos também lá metíamos os galos e galinhas. As lebres, compravam-se aos caçadores, que as vendiam não só na praça mas também pelas ruas, bem como às perdizes. Neste caso, tratava-se só de esfolá-las ou depená-las, mas as lebres, se queríamos que mantivessem o gosto selvagem dos montes, tinham de ir à carqueja.
Também havia o chá de carqueja para algumas enfermidades, mas lembro-me mais de ouvir falar dele do que de o beber.
Ainda conservo um estrado e uma braseira, que trouxemos da minha antiga casa da Guarda.
A carqueja e o carvão foram substituídos por braseiras eléctricas, e é uma dessas que tenho dentro da braseira de cobre, encaixada no estrado que deu para colocar por baixo da minha camilha da cozinha. Continuam a dar muito conforto nos dias mais frios do Inverno.
Sem comentários:
Enviar um comentário