sábado, 9 de julho de 2011

Meruges, Mostajos e Míscaros

Meruges, Mostajos e Míscaros


Não me vou alongar em definições e explicações etimológicas porque, sobre isso, existe muita informação disponível no google, para além de várias imagens.
Como não tenho fotos, vai assim, a seco, apenas à força de lembranças, lembranças de bons sabores, que não se me apagam.
A partir de Janeiro e mais ainda na entrada da Primavera, a salada corrente era a de meruges. Compravam-se na praça (mercado) aos molhinhos, atados com um baraço. Plantinha verde, tão pequena, tão frágil, crescida nos regatos e ribeiros que, na época da minha infância e juventude, ainda eram de águas cristalinas. Temperada com azeite, cebola e sal, raramente falhava na mesa enquanto se obtivesse fresca e viçosa. A concorrente, era a salada de agrião, mas, para mim, a de meruges era a eleita.
Entrava o Verão e passavam a reinar as saladas de pepino, tomate e pimentos. Curiosamente, de alface não tenho praticamente memórias, talvez porque não fosse tão vulgar.
Do Outono para o Inverno, surgiam os mostajos e os míscaros.
Dito assim, parecem produtos equivalentes, mas não. Os mostajos começavam a pintar em finais de Setembro, eram pequenos frutos, mais ou menos do tamanho de avelãs, mas de um amarelo torrado. A garotada (eu incluída), subia aos mostajeiros das redondezas para cortar os ramos de onde pendiam em cachos e eram comidos logo ali. Tinham um sabor adocicado e eram um pouco farinhentos, mas nem por isso os desdenhávamos. Dizia-se que, se comidos em quantidade, podiam até embebedar, mas acredito que esse efeito só se produziria com enorme quantidade, porque não me lembro de termos, alguma vez, ficado "tocados", com a barrigada que deles comíamos.
Mas lembro-me das esfoladelas nos joelhos e de alguns tombos, felizmente sem grandes consequências.
Ocorreu-me agora que esta situação (a subida às árvores) também acontecia no tempo das cerejas e das groselhas. Íamos pelas quintas que havia perto e, umas vezes com consentimento dos donos, outras à socapa, trepávamos pelos troncos para cortar pernadas carregadas desses saborosos frutos e chegávamos a casa felizes mas em estado lastimoso. Escusado será dizer que a minha mãe não achava muita graça a estas façanhas e algumas vezes tivemos de nos ir desculpar...
Com o aumento da humidade outonal, apareciam nos pinhais os míscaros. As gentes das aldeias dedicavam-se a colhê-los e a levá-los aos mercados das vilas e cidades; eram, tal como as meruges, também uma fonte de rendimento. Experientes, sabiam distinguir os comestíveis dos venenosos e não era muito vulgar errarem, o que não quer dizer que não acontecesse.
Na minha cidade, era também à praça que íamos comprá-los, onde eram vendidos às malgas. Três ou quatro malgas de míscaros, vertidas para um cantinho acomodado da cesta de verga, era normalmente a quantidade que a minha mãe trazia para casa. Depois, era guisá-los como se de pedaços de carne se tratasse, mas com o cuidado de incluir no tempero a colherzinha de prata que se ia buscar ao faqueiro. Era esta colherzinha que determinaria se sim ou não teríamos na mesa uma saborosa refeição de míscaros; é que, se no fim do cozinhado, ela saísse negra, sem sombra da sua cor característica, adeus míscaros, que iam do tacho directamente para a pia, porque nem para o caldeiro das viandas, serviam.
Isto não aconteceu muitas vezes, mas aconteceu.
Não voltei a comer míscaros desde que deixei definitivamente a cidade, nem mesmo quando voltava anualmente ou por alguma ocasião especial. O mesmo, quase posso dizer sobre as meruges e os mostajos. Das meruges, trouxeram-me uma vez uns dois ou três molhinhos, para matar saudades, mas não reconheci o sabor, por isso não quis que voltassem a trazer-mos. Dos mostajos, só pude uma vez chegar a um raquítico mostajeiro, em Vilar Maior (terra do meu avô paterno), mas estavamos em Agosto, não havia mostajos.
De tudo, sobrou-me a colherzinha de prata, que anda por aqui escondida numa gaveta.

3 comentários:

  1. Só hoje tomei conhecimento com os mostajos. Estava a ler Aquilino Ribeiro - Cinco Reis de Gente e, a páginas tantas, lá vinha:
    "O mostajo é fruta de Inverno, que caprichosamente amadura quando lhe roça a asa glacial do Nordeste, e se compraz da altitude e do desabrigo, como se tal produto representasse uma compaixão de Deus para com o ermo e a serrania."
    Corri à Internet a tentar ver fotografias e encontrei esta página.
    Agora vou ver se descortino fotoss de meruges, erva que desconheço, pelo menos com esse nome.

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  2. Obrigada pelo comentário.
    Já não há muita gente que saiba o que são mostajos e outros produtos que quase cairam no desuso e por isso no esquecimento. Depois de ler o seu comentário até me arrependi de não ter inserido fotos, mas talvez ainda o faça. Quanto às meruges, para mim, claro, a melhor salada de sempre!

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