domingo, 29 de maio de 2011

Carqueja

Carqueja


CARQUEJA EM FLOR

Esta imagem, tive de ir "roubar" ao google, infelizmente não tenho qualquer foto em que a carqueja, da minha infância e juventude, apareça.
Também não é assim, florida, que me mais me lembro dela, mas sim seca, espinhosa, a ponto de até nos ferir os dedos.

Nesta última semana, mais do que uma vez ouvi falar da carqueja, ontem à noite, foi a última delas e então, pelo que noticiaram, vieram à minha à memória os meus tratos com a carqueja.

Logo pela manhã, gelada de cortar a respiração, uma das primeiras tarefas era precisamente subir ao sobrado (andar esconso da casa), para pegar nuns ramos de carqueja seca que se tinha armazenada, colocá-los no centro das braseiras de cobre, rodeá-los e cobir-los de pedaços de carvão de que também tínhamos provisão em sacos de sarapilheira, trazer as braseiras já assim preparadas para baixo, levá-las para a varanda e, riscando um fósforo ou muitos, esperar que a carqueja começasse a arder e as chamas "pegassem" ao carvão, que se fosse de azinho melhor seria porque arderia mais lento durante todo o dia, aquecendo-nos a nós e à casa. As braseiras eram encaixadas em estrados de madeira apropriados para o efeito (com buraco no centro, portanto), as brasas iam-se remexendo e activando de vez em quando, com as pás também de cobre. Para aquecer ou enxugar roupas, colocávamos por cima os enxugadores, feitos em arame em forma de campânula e à medida do diâmetro da braseira.

Era em volta dos estrados das braseiras que dispunhamos as cadeiras de verga e nos escarranchávamos para nos aquecer, ao mesmo tempo que estudávamos, conversávamos ou fiziamos os nossos bordados e rendas. As pás das braseiras andavam sempre de mão em mão, cada um mexendo e remexendo, às vezes só já as cinzas, para fazer emergir mais o calor. Durante as refeições, uma das braseiras ia para debaixo da mesa e depois era ver quem melhor encontrava, no estrado, um lugar para os pés aquecerem.

No fim de cada Inverno, as "barrigas" das nossas pernas estavam cheias de "chouriças", ou seja, manchas avermelhadas e arredondadas, provocadas pelo calor das brasas, manchas essas que nem as meias grossas nos livravam de ter e que perduravam quase até ao Verão.

Mas nem sempre a carqueja, mesmo seca, estava disposta a deixar-se consumir pelas chamas; algumas vezes estava húmida, só para nos fazer descoroçoar e obrigar a ir à procura de um bocado de jornal velho que lhe metíamos entre os ramos, já a arder, para a espevitar. Isto causava sempre maior fumarada, mais perda de tempo e também que ficássemos ainda mais sujas do que já estávamos depois de já ter pegado nela e no carvão. Digo sujas e não sujos, porque esta era uma das muitas tarefas que pertenciam praticamente só às mulheres.

Vivendo na cidade e não no campo, a carqueja e o carvão compravam-se, ia-se ao carvoeiro, periodicamente, para se trazerem de lá em cestas e sacos. Lembro-me bastante bem da loja do carvoeiro, mais um buraco do que algo parecido a loja, onde nos deparávamos sempre com uma nuvem negra de pó, paredes, chão, bancos de madeira, tudo enegrecido e pegajoso. Muitas vezes ouvíamos primeiro o carvoeiro antes de o ver, isto quando ele estava mais para os fundos e não o distinguíamos dos montes de carvão que ele ajeitava às pasadas. Quando aparecia ao pé de nós, só os olhos avermelhados e piscosos e os dentes amarelecidos, se distinguiam em toda aquela negritude. Depois enchia-nos as cestas e os sacos com tantos molhos de carqueja e tantos quilos de carvão, quantos pedíramos. Chegávamos a casa, no mínimo, com as mãos pretas e arranhadas e, nesta tarefa, já o meu irmão também participava.

Outra utilidade da carqueja, e foi esta a que me despertou as memórias porque ontem a noticiaram, era a de contribuir para apaladar as carnes, ou seja, se queríamos comer um coelho ou lebre saborosos, a melhor forma de o conseguir era colocá-los um bom bocado antes de irem para a panela, esparramados em cima de um molho de carqueja, dentro de uma grande travessa de esmalte que punhamos no escuro da despensa ou da entrada para o sobrado.

Este procedimento, resultava especialmente nos coelhos, que comprávamos vivos na praça e eram engordados em casa num galinheiro-coelheira - tínhamos uma estrutura destas na varanda das traseiras, onde além dos coelhos também lá metíamos os galos e galinhas. As lebres, compravam-se aos caçadores, que as vendiam não só na praça mas também pelas ruas, bem como às perdizes. Neste caso, tratava-se só de esfolá-las ou depená-las, mas as lebres, se queríamos que mantivessem o gosto selvagem dos montes, tinham de ir à carqueja.

Também havia o chá de carqueja para algumas enfermidades, mas lembro-me mais de ouvir falar dele do que de o beber.

Ainda conservo um estrado e uma braseira, que trouxemos da minha antiga casa da Guarda.

A carqueja e o carvão foram substituídos por braseiras eléctricas, e é uma dessas que tenho dentro da braseira de cobre, encaixada no estrado que deu para colocar por baixo da minha camilha da cozinha. Continuam a dar muito conforto nos dias mais frios do Inverno.

























sábado, 14 de maio de 2011

Relíquias 2

Relíquias 2


Já foi bom ter conseguido mostrar três fotos no  "Relíquias 1", por isso não insisti em inserir mais com medo de estragar tudo, sim porque, para conseguir levar as fotos para o sítio certo, ainda me fez "suar as estopinhas" e até, de uma vez, quase perder tudo o que já tinha feito... ainda sou (e se calhar nem vou deixar de ser), muito "naba" nestas coisas...
Para evitar sobressaltos, vou indo até onde me sinto segura e então criei este "Relíquias_2 ( e talvez ainda o 3, 4...) para inserir mais antiguidades fotográficas e discorrer sobre elas.
Aqui vai esta:



1973 (?) - Alameda
De facto, esta é a única foto que a minha amiga se esqueceu de datar e situar, mas, situá-la, é fácil, não se esquece o nosso relvado da Alameda assim tão depressa...

Depois de várias conjecturas, cheguei à conclusão que pode ser de 1973: a Aida parece ainda não estar grávida da sua Clarinha, como já era evidente na foto de 1974, o meu cabelo estava ainda bem pior também, mais comprido, assim como o da Maria. A única que parece na mesma, é a Mariazinha.

Mas há mais colegas nesta foto, que gosto de relembrar: a Clementina, tão divertida e amiga, de quem, lamentavelmente, não voltei a saber mais nada, a Lubélia, de quem fui bastante amiga, mas assinalo o fui, porque as voltas que o mundo dá nos levam a desilusões com algumas pessoas e elas a desiludirem-se connosco, então, quando isso acontece, da amizade resta só a lembrança; não voltei a vê-la. Mas há ainda as manas, as queridas manas, Miraldina e Alice, que também nunca mais vi mas sobre quem por vezes ia sabendo algo. Mudaram-se para Évora e, durante anos e anos, o pouco que fui sabendo foi através da Mariazinha. Há uns dois ou três anitos para cá, já nem sei bem se por iniciativa da Miraldina ou minha, começámos a contactar-nos pelo telefone. Da Alice, sempre soubemos que se foi daqui para casar com o seu amado Quim Zé, de que tanto falava e por quem tanto chorava, se alguma carta, lá do ultramar, não chegava no tempo previsto. À Miraldina, sucedeu o mesmo que a algumas de nós, ou seja, ficou para tia.

Passados todos estes anos, casadas ou solteiras, atingimos porém o mesmo estatuto, o de aposentadas. Refiro-me, claro, às amigas com quem contacto, mas a avaliar pela idade, o mesmo se deve passar com as outras. Assim, umas tratam agora dos netos, outras dos pais e mães velhotes, ou dos sobrinhos e sobrinhos-netos.

Termino o "Relíquias_2",com duas fotos de 1974.

10-11-1974 -Cascais

Como se pode observar, o céu estava límpido, por isso, apesar do Outono, o tempo ainda devia estar bem ameno para permitir bons passeios à beira-mar.
Creio ter sido eu a fotógrafa da primeira foto porque, na foto abaixo, embora quase despercebida, sou eu que estou lá. Mas também pode ter sido a Alice a fotografar, uma vez que, nessa foto, ela não figura. Na época, eu morava na Parede, portanto é bem possível que as minhas amigas tenham ido ter comigo primeiro e depois seguimos de combóio para Cascais, ou então foi mesmo na estação de Cascais que nos encontrámos todas. Ou será que a Miraldina já tinha o mini e foi com ela que fomos?

Corrijo depois, se por acaso alguma das amigas souber esclarecer este ponto.





sábado, 7 de maio de 2011

Relíquias 1

Relíquias 1

Continuo quase sem divulgar este meu blogue, posso mesmo adiantar que apenas uma meia dúzia de pessoas têm conhecimento dele, que apenas uma leu alguma coisa e uma outra somente leu os títulos. Foi precisamente essa, a que só leu os títulos, que, há umas semanas, comentou, com toda a franqueza, que não percebia porque é que eu me dava ao trabalho de escrever aquilo e perguntou-me mesmo se achava que alguém se interessaria por aqueles meus escritos. Confesso que fiquei um tanto chocada, mas respondi-lhe que era a mim que interessavam aqueles escritos, que gostava de escrever sobre alguma coisa do que ainda me lembrava.


Mas, desde então, tenho pensado bastante no que ela me disse: de facto, para quê?
Entretanto, uma outra das amigas, daquelas que só têm conhecimento da existência do blogue, veio visitar-me e trouxe-me algumas relíquias fotográficas dos nossos tempos de juventude trabalhadora. Fiquei espantada porque não me lembrava nada daquelas fotos e, pior ainda, muito pouco dos momentos que retratam. Felizmente, ela teve o cuidado de datá-las e situá-las e assim, embora alguns dos locais sejam evidentes, ajudaram-me a reavivar memórias.
Então pensei na resposta que dei à amiga que não encontrou qualquer interesse no que eu para aqui escrevia e decidi que, enquanto acreditar nisso, os meus escritos vão continuar e estas fotos reforçaram a minha decisão. Escolhi esta para primeira, embora tenha outras anteriores.




Agosto de 1974 - Alameda D. Afonso Henriques
Estávamos no ano da Revolução, ainda tão fresca e promissora, e muito felizes por trabalharmos ali, na Caixa do Comércio, tão próximo do Instituto Superior Técnico, um dos focos revolucionários. À excepção de uma, as colegas que estão comigo na foto, continuam a ser algumas das minhas queridas amigas. As quatro que estamos juntas, também trabalhávamos juntas, quer dizer, na mesma secção; a que está mais desgarrada pertencia a outro serviço mas era uma rapariga muito sociável e muito bem disposta, às vezes um bocado desbocada, mas não se lhe levava a mal. Convivemos mais quando se juntou a mim e a outra das retratadas (igualmente sociável e bem humorada), como trabalhadora-estudante. Até agora ainda não me esqueci das nossas hilariantes viagens no 2.º andar dos verdes da Carris, para o Liceu D.Dinis, onde iniciámos os então denominados complementares (em aulas nocturnas), melhor dizendo, o antigo 6.º ano liceal. Também me recordo bem de algumas peripécias que passámos quando regressávamos, perto da meia-noite, a casa... de uma vez em que chovia torrencialmente, o nosso professor de História (Dr. Barbosa ?),como já antes fizera, ofereceu-nos boleia até ao Areeiro e, a partir dali, foi essa colega que tratou de arranjar uma outra boleia com o primeiro carro que apareceu, um mini vermelho, conduzido por um rapaz que se prontificou logo a levar-nos. Fiquei com os cabelos em pé, cheia de receios, mas "embarquei" com elas na aventura porque estávamos a ficar encharcadas e, autocarros, nem vê-los! Para azar meu, fui a última a deixar o carro, no Cais do Sodré (que óptimo local, não é?), onde tinha de apanhar o combóio para a linha de Cascais. Mas o dito rapaz não queria deixar-me por ali, queria conversa, que naquela altura ainda não havia muitos maiores atrevimentos. Mas insisti que tinha o meu irmão à espera no combóio, agradeci bastante e lá me vi livre dele. Devo acrescentar que foi só nessa altura que ele ouviu o tom da minha voz, porque durante todo o tempo que estivemos no carro, as minhas duas colegas é que fizeram a "despesa" da conversa, foi ele mesmo que me fez esse reparo. Eu era, de facto, demasiado tímida e temerosa.
Recuo agora a 1972.


10-12-1972 - Castelo de Leiria
Ia no meu terceiro ano de trabalho naquela Instituição de Previdência, as amizades eram ainda recentes mas algumas, como já referi, perduram até hoje.


Não consigo recordar pormenores mas esta ida a Leiria fez parte de um passeio que alguém organizou e que nos levou também a Coimbra, Conimbriga, Batalha e Tomar, durante, talvez, um fim-de-semana. Era um grupo grande, não só constituído por colegas de trabalho mas também por amizades e familiares de alguns. Tenho mais fotos desse passeio, se conseguir passá-las para aqui, ficarei satisfeita. Escolhi esta porque, desde essa altura, não me lembro de ter voltado a Leiria. Parece incrível, mas é verdade, talvez tenha já passado por lá, mas não permanecido. Por isso não me lembro quase nada da cidade nem do Castelo.


Curiosamente, a amiga que me trouxe as fotos, decidiu mudar-se para Leiria, depois de muitos, muitos anos a viver em Lisboa e arredores. A foto não está muito nítida, aliás como quase todas, mas dá para ver quem está. Uma das colegas, infelizmente, já nos deixou, e duas outras não faço ideia por onde andam.

10-12-1972 - Conimbriga
Sempre consegui inserir mais esta, aos poucos vou descobrindo a melhor forma de lidar com isto.


Aqui estamos nós, o núcleo de amigas que tem envelhecido ao mesmo tempo sem se ter perdido muito de vista, ou antes, sem ter perdido contacto, porque vermo-nos não é muito frequente, a não ser no caso da amiga do lado esquerdo, a tal que se mudou para Leiria, mas que ainda aparece por cá de vez em quando.


De Conimbriga, também não retive nessa altura, grande coisa. Fiquei a saber que se tratava de um local de vestígios de uma cidade romana, como havia outros na Península Ibérica, mas não me lembro de ter dado a devida importância àquele, mais ou menos, amontoado de pedras, ainda mal explorado e estudado. Na altura, não fazia ideia de que viria a interessar-me, e muito, por tudo o que dissesse respeito ao nosso património histórico e à História, e orientasse, nesse sentido, as minhas escolhas para o futuro.


Durante a realização da minha licenciatura (de 1976 a 1981) e depois já no exercício da minha actividade docente voltei lá, claro, como não podia deixar de ser para uma pessoa que tinha optado pelo estudo da História e o seu ensino, e então fui vendo tudo com outros olhos. Também levei lá os meus alunos e procurei que vissem o que eu não vi da primeira vez que lá fui e já bem mais velha do que eles. Resta-me a esperança de que algum desses alunos se tenha interessado por aquele património, quanto mais não seja, pela sua preservação.
Dou-me conta de que tenho estado a evitar escrever os nomes das minhas colegas e amigas. Quando iniciei o blogue, não me preocupei nada com isso e mencionei os nomes e apelidos das pessoas que estavam nas fotos ou que se relacionavam com alguma situação. Mais tarde, alguém me chamou à atenção que um blogue, mesmo que só o divulguemos a quem queremos, é sempre acessível a quem navega neste mundo virtual. Acabei por constatar isso mesmo quando, para minha surpresa, uma amiga a quem nunca tinha falado do blogue, me comunicou que o tinha visto, ou antes, o filho dela é que o tinha descoberto e lho tinha mostrado.


Depois disso, revi alguns dos textos e retirei os apelidos, noutros casos fiz o que fiz agora, escrevi sem mencionar nome algum. Mas não gosto, parece que falta alguma coisa. Bem, acho que vou fazer assim: as amigas de que mais falei hoje aqui e estão nas fotos, são a Maria, a Mariazinha e a Aida. Pronto, já me sinto melhor!