domingo, 17 de maio de 2020

Ir a Fátima

Este ano, no 13 de Maio, não houve peregrinos em Fátima. Coisa triste e inédita, em 103 anos de peregrinações. A Igreja entendeu por bem não autorizar a peregrinação, tendo em conta o grande risco de contágio pelo vírus que nos aflige a todos, aqui e no mundo.
Bem, mas a minha escrita sobre o assunto é porque dei comigo a recordar a minha primeira ida a Fátima, que foi também num dia 13, mas não de Maio, talvez de Julho ou Agosto.
Já fui muitas vezes a Fátima, mas não sei se mais alguma vez num dia 13, isso para evitar confusões de trânsito e de multidões. Passar lá a noite de 12 para 13, é que tenho a certeza de que nunca mais aconteceu.
Então essa primeira vez, deve ter acontecido no ano de 1958, o ano em que recebemos a visita do meu tio Chico e tia Lucrécia, residentes no Brasil; o meu tio Chico era irmão da minha mãe. 
Foi por iniciativa desses meus tios que, juntamente com minha avó e tia Fernanda, no dia 12 de Maio nos metemos num táxi e lá fomos para Fátima. Se não estou enganada, o dono do táxi era um rapaz do tempo do meu tio, portanto seu conhecido. 
Quando se ia assim a Fátima, levava-se farnel para dois dias e mantas para passar a noite dentro ou fora do carro. E assim fizemos nós também.
Lembro-me que enjoei muito na viagem, que tivemos de parar para eu vomitar, só o cheiro do carro já era suficiente para ficar mal disposta, além de que não estava nada habituada a viagens. Eu teria os meus nove anos e o mais longe que talvez tivesse ido, de carro, seria à aldeia da minha mãe que distava da cidade, 5 km. Aliás, era muito mais frequente irmos lá a pé ou de burro.
A ideia com que fiquei de Fátima, foi de um espaço muito grande, terra batida, cheio de gente, e de à noite se ficar por lá a rezar com as velas acesas. Depois chegava o momento de cada um dormitar um bocado, recostado nos bancos dos carros ou cá fora, deitados nas mantas. Era Verão, o tempo ajudava. Fazia-se pic-nic ali mesmo, conversava-se com este e aquele.
No dia 13 assistiu-se à Missa, à procissão e depois fomos à capelinha, muito pequena, onde nos ajoelhávamos numa almofadinha, sem demorar muito tempo. O terço rezava-se cá fora. Também visitámos a Basílica do Rosário, onde estavam os túmulos dos pastorinhos.
Não encontro qualquer foto a registar essa viagem. Também é de crer que este meu tio, ao contrário dos outros irmãos que também nos foram visitando ao longo dos anos, não seria muito dado às fotografias. 
A única que encontrei, sem data, mas que me parece bem antiga e poderá ser dessa altura é esta:

Penso que esta estátua da Senhora não estará presentemente no recinto, pelo menos não me lembro de vê-la por lá.
Assim, toda branca, estaria mais próxima da visão que Lúcia descreveu, do que a imagem da capelinha.
A viagem de regresso, foi outro tormento de vómitos, mas chegámos sãos e salvos.
Como sempre, de cada vez que um dos meus tios residentes no Brasil, nos vinha visitar, lá íamos a Fátima e algumas vezes alargávamos o passeio. Foi o que aconteceu com a vinda do meu tio António (igualmente irmão da minha mãe), em 1968. Também, mais uma vez, o taxista era conhecido, penso que era do Alvendre e chamava-se Celestino. Desta visita a Fátima, com o meu tio António, resultou a visita a outras localidades, como Castelo Branco, e deste evento publiquei foto no item referente aos anos que vão até 1969.
Ele voltou cá em 1998, 2001 e 2003, juntamente com a minha tia Bete, fomos a Fátima de todas as vezes e passeámos por vários outros locais, tenho fotos, mas acho que não virei a colocá-las aqui.
Também o meu padrinho Romeu e a minha madrinha Elisa cá vieram, e Fátima sempre foi lugar de romagem. Já todos partiram.



terça-feira, 21 de abril de 2020

Nunca se recupera o tempo perdido, mas...

Pode sempre voltar-se no tempo, se a memória ainda não nos atraiçoa.
Tenho-me dedicado, neste blogue, e tal como o nome com que o baptizei indica, a escrever sobre o que recordo do meu passado. Às vezes vêm-me à cabeça lembranças, ocorrências, de que não sei  precisar a data, por isso não as relatei aqui.
Um dia destes, ao falar com uma amiga, ambas a recordar os tempos idos da escola, uma no Alentejo e outra na Beira Alta, contei-lhe o desgosto e decepção que tive na quarta-classe e então lembrei-me que abordei o assunto no capítulo da escola primária, mas não o relatei. É chegada a altura.

Aqui estou eu, com colegas, penso que em Maio de 1960, ainda com os meus dez anos. Foi a festa da Comunhão Solene, na Sé.

Estávamos no início desse mês de Maio de 1960 (se não baralhei as datas), no terceiro período da minha quarta-classe. A minha e outras mães de colegas, foram chamadas à escola pela nossa professora D. Carmelina. Era uma coisa inusitada, pois não era costume os pais irem à escola, mas lá foram. Então a D. Carmelina, depois de muitos rodeios, acabou por dizer às mães que seria talvez melhor que nos ficássemos pelo exame da quarta-classe e que, no ano seguinte, ela se encarregaria de nos preparar para a admissão ao Liceu e Escola; segundo ela, éramos ainda muito pequenas para enfrentar o ciclo seguinte. As mães não ficaram nada contentes com esta situação, recusaram e, dado que ela não estava disposta a preparar-nos para o exame de admissão, então disseram-lhe que teria de nos deixar sair mais cedo da escola para podermos ir obter essa preparação com outra professora. E assim foi. Contactaram uma professora que morava para os lados da Dorna, a D. Irene e lá íamos para casa dela, a partir das 15,00 h. Dessas aulas, lembro-me que, além de nós, andava lá também um miúdo que era de uma quinta e nos levava uns morangos grandes e muito saborosos. Foi essa a melhor recordação que me ficou, porque tudo o que se seguiu, trouxe-me muito desgosto. Era normal que os alunos se inscrevessem para o exame de admissão tanto ao Liceu como à Escola Comercial e Industrial, mas essa professora D. Irene, convenceu a minha mãe (por acaso também Irene), que não valia a pena esse gasto, uma vez que eu estava bem preparada e não teria problemas no exame para o Liceu. E depois sucedeu o que nem ela nem eu esperávamos: reprovei. Lembro-me de ir ao Liceu ver as pautas e nem queria acreditar naquela terrível palavra escrita a vermelho, a seguir ao meu nome. Desatei num pranto e vim de lá embora quase a correr pela Praça Velha abaixo e um miúdo vizinho, colega, a que chamávamos o Capelo, atrás de mim a segurar-me, a consolar-me e a dizer-me que não chorasse. Vinha em sentido contrário a minha prima Maria Estela, e foi a ela que o Capelo me entregou para me ir levar a casa porque eu já nem me segurava nas pernas. Não tardou muito que a professora Irene aparecesse, muito pesarosa e aflita, a dizer que não compreendia o que se teria passado, pois pelo que ela corrigira nos meus rascunhos, tudo estaria bem. Entretanto, tratou de insistir com a minha mãe para me ir inscrever na admissão à Escola, mesmo tendo de pagar a multa de atraso e que ela arcaria com a despesa pois a culpa fora dela de não me ter proposto de início. A minha mãe não queria, eu também não, muito menos o meu pai, que já não tinha querido que eu fizesse o exame ao Liceu. Mas a professora levou a dela avante e lá fui. E ainda bem. Aqueles dias foram febris, eu estava tão nervosa, parecia-me que a cabeça estava vazia. Foi nesse pequeno intervalo entre um exame e outro a fazer revisões da matéria (principalmente na matemática), que eu a professora percebemos o que é que terá corrido mal no Liceu: era costume no exame, darem-nos duas folhas de rascunho para aí fazer as contas, esboços ou escrevermos, antes de irmos para as "sagradas e imaculadas"  folhas da prova, que não podiam ter riscos ou borrões. Enquanto estávamos nos rascunhos, os vigilantes iam dando informação sobre o tempo que restava, para não nos atrasarmos. Na prova de matemática, a pior para mim, redobrei os cuidados e, tal como a professora aconselhara, resolvi primeiro os problemas em que não senti dificuldade e deixei para o fim os que não consegui à primeira. Com tudo já feito e com a pressão do tempo que faltava, sei que comecei a passar para a folha de prova os problemas pela ordem em que os tinha no rascunho, e aí é que foi o grande erro. Quem corrigiu, deparou com os resultados todos errados e não teve em conta a desordem em que estavam. A professora Irene, que tinha visto a minha folha de rascunho e sabia que eu tinha resolvido bem cada um dos problemas, é que deu pela coisa ...enfim!
Fiz o exame de admissão à Escola, correu tudo bem e entrei para o primeiro ano do segundo ciclo. Nada se perdeu, mas doeu!


Esta foto data do inicio de Agosto 1961, quase a fazer doze anos. Já tinha concluído com êxito o 1.º ano na Escola Comercial e vim passar as férias a casa dos meus tios, em Almada. Estou com a minha tia e a minha tia-avó, no Jardim Zoológico.


Da minha professora D. Carmelina, de que eu tanto gostava, é que me ficou amarga recordação. Pensando nesse último ano de escola, já tenho pensado se algo se passaria com ela, pois lembro-me que andava um bocado irritadiça. Não me lembro de alguma vez me ter dado alguma  reguada ou algum puxão de orelhas, ou uma repreensão por algum trabalho mal feito ou alguma desatenção, como a vi fazer a outras colegas. Por isso, foi com muita estranheza e mágoa que, precisamente nesse último ano, ela me tenha dado a mim e a outras uma reguada, pelo seguinte motivo: nas carteiras, onde nos sentávamos duas a duas, havia na parte estreita e plana, lugar para um tinteiro, para as canetas de aparos e para o mata-borrão. Uma das miúdas que estava atrás de mim e da minha companheira, que se chamava Lúcia (era a Lúcia da montanha), tirou o tinteiro do sítio, este entornou-se e ela, aflita, arrancou uma  folha do caderno para limpar a tinta; entretanto espirrou, ficou toda ranhosa e onde é que ela se foi assoar? À folha com que limpara a tinta e o resultado foi que ficou com o nariz todo pintado. A companheira dela mal continha o riso, nós olhámos para trás e quando vimos a Lúcia naquela figura, também nos rimos mas muito à socapa para a professora não dar conta, mas ela deu. Levantou-se para ver o que se passava e logo de régua na mão e então correu a fila toda à reguada. Fiquei muito melindrada, senti-me muito infeliz, cheguei a casa e nem sabia como contar à minha mãe. Como era de esperar, a minha mãe deu razão à professora e ralhou-me.
D. Carmelina, lembro-me muito bem dela, era muito bonita. E também me lembro da professora da sala ao lado, que era a D. Olímpia de quem também gostava muito, quando me via, fazia-me sempre uma festa e dizia-me que tinha uns olhos muito bonitos.
Recentemente, soube através de uma amizade do Facebook, que a D. Carmelina ainda é viva e vai sempre à Missa do meio-dia à Misericórdia. Há uns anos, numa ida à cidade, penso que a vislumbrei também numa Missa, mas em São Vicente. Se está viva ainda, já dever ter idade bem avançada, quem sabe, se houver oprtunidade, ainda a volto a ver...
Só mais uma coisa: a tal amizade do Facebook, é uma das minhas colegas da escola e vizinha, que viveu comigo estes acontecimentos e com quem muito brinquei, mas ela não sabe quem eu sou, porque no Facebook, não dá para alguém me identificar e também ainda não quis fazê-lo.
21 de Abril de 2020, em plena quarentena, por causa do Covid-19.



terça-feira, 5 de junho de 2018

Reencontros

- No escrito sobre os meus tempos na Rua do Amparo e da minha vizinhança, mencionei que me sentira triste com a partida para Angola, da minha amiga de brincadeiras, chamada Lenita.
Pois bem!
No passado dia 28 de Maio, deste ano de 2018, acordei de madrugada e sem quê nem porquê, veio-me à lembrança essa minha amiga, bem como a família dela que conheci: avós, pais e tia.
No dia seguinte, quando estava no supermercado, recebi no telemóvel uma chamada de um número que não reconheci, mas que resolvi atender. A senhora que falou comigo perguntou-me se estava a falar com a "Elisinha da Guarda". Respondi que, da Guarda eu era, mas se era a pessoa que ela procurava, é que não sabia se seria ou não. Ela afirmou que de certeza era eu a pessoa que procurava e falou logo no nome dos meus pais e avó. Acrescentou que quem lhe dera o número de telefone fora uma moça prima minha, vizinha da mãe dela, lá na cidade. Depois perguntou-me se me lembrava do Snr. Zé da Bárbara e aí eu tive a certeza que era com a Lenita que estava a falar, mas nem queria acreditar que tal estivesse a acontecer. Depois de um bom bocado de conversa, fiquei a saber que tinham regressado de Angola em 1975, viviam lá na cidade desde então, que o pai morrera recentemente, mas a mãe lá continuava ainda. Ela mora na Póvoa de St.º Adrião, mas vai lá com frequência.
Depois de 62 anos sem notícias e a pensar que ela e a família tinham ficado lá por Angola, eis que reapareceu assim, de repente. Fiquei muito contente com isso.
No dia 31 de Maio, que foi feriado do Corpo de Deus, fomos para a Guarda, eu, o meu irmão e cunhada. Telefonei-lhe a dizer que estava lá e ela disse-me que também iria no dia seguinte, para visitar a mãe. Combinámos que nos encontraríamos.
No sábado, dia 2 de Junho, fui então ter com ela ao jardim José de Lemos, onde existe um quiosque-café, chamado Pepe. Ela estava lá sentada na esplanada e logo a reconheci, e ela igualmente. Conversámos muito, relembrámos o passado, as pessoas, e fiquei surpresa com o facto de, tendo nós, afinal, conhecimentos comuns lá na cidade, nunca algum deles me ter falado dela e da família.
Depois o meu irmão foi lá ter connosco (dele não se lembrava tanto, era mais pequeno quando ela partiu), conversámos mais um pouco e depois levou-nos a casa da mãe dela, que fica lá para os lados do mercado municipal. A mãe dela, D. Conceição, tem 87 anos, e reconheceu-me. Falámos muito, contou-nos coisas de até antes de nascermos, da minha avó, tios, e do casamento dos meus pais, para o qual ela e a irmã Helena, foram convidadas.
Ah! A minha amiga falou-me também de outra miúda que connosco brincava e de que eu já me esquecera, a Aurita. Depois que ela falou, lembrei-me logo, era mais novinha que nós, vivia no prédio dos avós dela, no andar de cima, prédio onde ela morava também.

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Antes que tudo se esfume - De 1967 a 1969



Os exames decorreram normalmente, se bem que com muitos nervos à mistura.
Respirei de alívio quando tudo terminou e, como já antes referi,  acabei por ficar satisfeita por ter conseguido fazer a Secção Preparatória Comercial; mal sabia eu como isso me ia ser tão útil!
Mas esse ano lectivo acabou para mim em lágrimas. Era o fim de um ciclo, não só para mim mas para outros, incluindo os meus colegas, que iriam seguir outros rumos. Muitos desses meus colegas nem queriam acreditar quando lhes disse que para mim tudo acabava ali, ou seja, eu não iria prosseguir, não me interessava ingressar no Instituto Comercial e daí não ter que estudar ainda mais um bocado, para o exame de admissão. As minhas colegas mais amigas, moeram-me a cabeça, mas tiveram que aceitar a minha decisão. Começou aqui o nosso afastamento, se bem que na altura não o admitíssemos. Muitas promessas de nos irmos comunicando e vendo, afinal elas pensavam ir para Lisboa e eu também...
Nos meus planos estava arranjar um emprego em Lisboa, que me permitisse, mais tarde, prosseguir estudos, mas não os das minhas amigas, outros mais virados para as letras do que para os números.
E claro, as nossas vidas iriam ser bem diferentes.

Foi no mês de Julho que começaram verdadeiramente as despedidas. As férias estavam aí, os nossos sucessos escolares faziam-nos sentir bem e os planos de futuro eram muitos. As principais mudanças começaram em casa, eu iria rumar a Lisboa logo em Agosto e o outro alguém também estava de malas feitas para nos deixar definitivamente. O dia da sua partida e despedida, foi um dia de trevas para mim. Não me consigo lembrar exactamente qual o dia do mês, mas sei que estava um  belo dia de Verão que não condizia nada com o meu estado interior, bem invernoso. Para me isolar e não ter que dar explicações sobre a razão das minhas lágrimas, desatei a fazer limpezas profundas no quarto que agora passaria a ter um só ocupante, o meu irmão. Desde paredes, janela, chão, mobiliário, foi tudo esfregado, polido, encerado e reorganizado o espaço. Pela hora do jantar, estava tão exausta que mal comi e fui deitar-me.

No início de Agosto, parti para Lisboa, mais propriamente, para Almada. Desta vez não ia simplesmente passar as férias, ia para arranjar emprego e começar uma nova etapa da minha vida.
Fiquei, como sempre, na casa onde moravam os meus tios e os meus vós paternos. O meu tio empenhou-se em ajudar-me e desde logo  acionou os seus contactos e eu comecei a procurar em jornais.
Antes de prosseguir, devo dizer que tinha uma secreta esperança de receber uma carta da pessoa de que tanto gostava e que, finalmente, pudesse estabelecer a relação que tanto desejava. Chegou o fim de Agosto, completei dezoito anos e nada ainda tinha acontecido. Esse meu dia de aniversário, em que tinha posto algumas esperanças de notícias, revelou-se um fracasso e lembro-me  de que passei o resto da tarde enfiada no quartinho e  que chorei muito.
Quanto a empregos, tinha respondido a alguns anúncios mas quando tomavam conhecimento de que ainda não tinha feito os dezoito anos, dispensavam-me.
Uma das grandes empresas da época, era a CUF, na Av. 24 de Julho. O meu tio soube de um concurso para admissão de pessoal e concorri.
Houve várias provas, testes psicotécnicos, de que, segundo soube depois, me saí muito bem, mas a grande prova era a de dactilografia, de que me saí bastante mal.
Eu nunca tinha visto máquinas daquelas, enormes e complicadas; a dactilografia que aprendi na Escola era rudimentar e em máquinas muito pequenas e, como então percebi, já quase em desuso.  Ao meu tio disseram que tinha sido uma pena, mas que não havia nada a fazer, a menos que eu tirasse um curso de dactilografia e aprendesse a sério. Dar-me-iam outra hipótese de tentar repetir a prova.
Então, resolvemos que eu iria frequentar uma escola de dactilografia, em Almada, e tirar o curso.

Essa escola, particular, claro, era orientada por uma senhora muito desagradável à vista, mal cuidada,  mas que conseguia ter um bonito sorriso. Das colegas, só me lembro de uma que vinha do Feijó (acho...?!) e se chamava Teresa. Ela passava pela casa dos meus tios e seguíamos juntas para a escola, na rua Bernardo Francisco da Costa.
Não me lembro de quanto tempo demorou o curso, talvez uns dois ou três meses, no fim do qual se fazia um exame e se obtinha um diploma. Fiz o exame e saí com 17 valores.
Voltei a tentar a prova na CUF, mas ainda fiquei muito aquém  do esperado e, por incrível que pareça, informaram-me que podia tentar uma terceira vez, mais tarde.
Comprei uma máquina de escrever e ia treinando em casa.
Minha querida máquina, que muito me serviu bem depois, quando ainda não havia computadores e eu já lecionava.
A minha máquina de escrever dos anos 60

Entretanto tinha vindo passar o Natal com os meus pais,  irmão, avó materna e tia, mas sentia-me desiludida com tudo. Pensei então em não voltar para Almada e tentar algo ali mesmo, na minha cidade. Mas o meu tio telefonou algumas vezes a insistir para que fosse, uma vez que o tinham informado que iriam voltar a chamar-me.
Então, por alturas do Carnaval de 1968, fui de novo, para fazer a terceira prova. O meu desempenho não passou além de suficiente e a aventura da CUF, terminou ali. Não tinha de ser, hoje penso que, "Ainda bem"!
Regressei a minha casa, à minha terra, e foi lá que me iniciei no mundo do trabalho, no decorrer do mês de Março de 1968. Consegui emprego numa empresa bem conceituada, a Automóveis da Beira, Lda., representante da BMW e do Gás Cidla (já não me lembro se era assim que se escrevia...). Não desisti no entanto dos meus anteriores planos, por isso mesmo fui concorrendo a Instituições públicas, como Caixas de Previdência, Correios, Bancos, mas a funcionar em Lisboa.
Em virtude de ter como habilitações, o Curso Comercial, o patrão achou por bem sentar-me ao lado de um antigo funcionário, que se ocupava da contabilidade da empresa. A intenção era a de que aprendesse com ele a lidar com uma estrondosa máquina em que ele debitava séries de números e de ondem saiam listagens enormes.
A "simpatia" para comigo do dito funcionário era tanta, que eu acho que se olhou para mim duas vezes foi muito, para além de nunca me dirigir a palavra. Assim fui passando o tempo ali sentada, a ver coisas de que nada entendia. Era eu tão tímida que nunca questionei o dito funcionário nem me atrevia a falar com ninguém, da forma incómoda como me sentia naquela situação.
Quando podia, escapava-me para a sala onde estavam três colegas que atendiam o público e faziam todo o trabalho administrativo e de telefonista. Foi com elas que aprendi o trabalho administrativo e dava-me muito prazer desempenhá-lo quando alguma delas faltava. Foi assim que o patrão se apercebeu de que eu não estava a aprender o trabalho que me estava destinado, com o tal colega sisudo.  Mandou-me de novo para o pé dele, o que era um sacrifício. Felizmente, os outros dois colegas dessa sala eram mais simpáticos, o que levou um deles a ensinar-me o que fazia e então passei a ajudá-lo. Este era o sector da contabilidade.
Chegou uma altura em que não tive outro remédio se não dizer ao patrão que não conseguia aprender nada com o colega da máquina só de estar a ver, uma vez que ninguém me tinha explicado o porquê daquele trabalho. Valeu-me o tal colega simpático, que disse ao patrão que eu lhe dava uma boa ajuda. Entretanto também o outro colega que era o chefe daquele sector me começou a iniciar em outros trabalhos e como eu estava a corresponder bem, reforçou o que o outro colega dissera. Foi assim que me vi livre de horas sentada ao pé de uma múmia! Só bem mais tarde é que me apercebi de que o fulano estava era com receio de que eu viesse a aprender a manobrar aquela máquina (que agora penso já ser uma percursora de computador...), de que ele se sentia o único e por isso, ufano, utilizador. A empresa também foi, a certa altura, detentora de uma das primeiras máquinas de fotocópias e eu interessei-me logo por aprender a utilizá-la o que aconteceu com êxito; então, praticamente era a única, tirando o chefe, que sabia fazer fotocópias dos documentos que o público começou a ir pedir e também a resolver problemas de mau funcionamento.
Assim foram passando os meses e sei que o patrão já apreciava bastante o meu trabalho e, principalmente, por ter aprendido praticamente todo o serviço, excluindo, é claro, o da malfadada máquina.
Nesse Verão de 1968, chegou do Brasil o irmão mais novo da minha mãe, que ainda era solteiro, embora já passasse dos quarenta; quando ele emigrou eu era tão pequena que nada me lembrava dele, por isso considero que foi como se o visse pela primeira e vez e simpatizei muito com a sua maneira de ser.



Aqui estou eu e ele, num passeio que fizemos a Castelo Branco

O meu tio brasileiro, tinha trabalhado vários anos no comércio da cidade, por isso ainda tinha muitos amigos dessa época de rapaz. E como amigos chamam amigos, acabou que às tantas já tinha bem mais dos que inicialmente encontrara. Foi assim que se interessou pela irmã de um desses, com quem veio a casar em Março do ano seguinte.
Com ele ainda demos alguns passeios, embora eu estivesse limitada por causa do trabalho.

A namorada do meu tio, era cabeleireira e pertencia à família de cabeleireiros mais conhecida na cidade. O salão, que já vinha do tempo de um tio, tinha o nome do irmão dela.
Tenho que referir que, embora não houvesse oposição, por parte da minha avó, a este relacionamento e casamento, a ligação a essa família era um pouco reticente. E porquê? Principalmente porque uma irmã mais nova da que veio a ser minha tia, era "falada" na cidade por, supostamente, ser amante de um homem casado. Ironia do destino, esse homem casado, era o meu patrão...
Engraçado que, pelos contactos inevitáveis, mesmo quando o meu tio ainda cá estava e já começara a namorar, eu vim a conhecer melhor essa moça e a gostar bastante dela. Começámos até a visitar-nos e a sair para passear. A minha mãe coitada, não via isto com muito bons olhos, mas desde logo eu lhe disse que não deixaria de ser amiga da moça por causa do que diziam... ela, afinal, era muito solitária.

No Carnaval de 1969, foi essa nova amiga que me incentivou a ir ao baile do Grémio, coisa que nunca tinha feito. Sobre este baile, já falei no escrito intitulado "Outros Carnavais".

No mês de Abril, a minha nova tia partiu ao encontro do marido.
No dia 23 do mês de Julho, fui eu que parti para Lisboa porque tinha recebido, da Caixa de Previdência do Comércio a carta de chamada para me apresentar ao trabalho no dia 25, na Alameda D. Afonso Henriques. Foi nesta altura que me apercebi de quanto eu representava para o meu patrão, que tentou de tudo para me reter. Nunca me tinha pago mais do que quatrocentos e tal escudos e agora estava disposto a pagar-me o mesmo que ia receber em Lisboa. Claro que recusei porque o meu sonho de voltar para a capital e aí poder depois prosseguir estudos, ia realizar-se.










Antes que tudo se esfume - Alegrias e Tristezas... (continuação)


Só tenho um irmão mas, mas desde os meus dez anos até aos dezassete,  partilhei a minha casa com mais quatro ou cinco jovens da mesma idade: aqueles cujos pais, das aldeias próximas, podiam proporcionar aos filhos a continuação dos estudos na cidade. Após o exame de admissão ao Liceu e/ou à Escola Técnica, seguiam-se, no primeiro caso, mais cinco ou sete anos, e na Escola, mais cinco ou seis anos. Acho que já referi isto mas vou fazê-lo de novo: no Liceu, os alunos iam até ao quinto ano e, caso não pretendessem continuar estudos superiores, ficavam por ali e não era muito difícil entrar a seguir no mercado de trabalho; quem pretendia ou podia seguir, fazia o sexto e o sétimo anos, a admissão à Universidade no curso previamente escolhido e depois seguia para Porto, Coimbra ou Lisboa. Digo previamente porque, após o 5º ano, os alunos escolhiam seguir Letras ou Ciências.
No caso da Escola Técnica, os alunos matriculavam-se ou no Curso Comercial ou no Curso Industrial (geralmente rapazes) ou no Curso de Formação Feminina. Salvo erro, havia também um curso nocturno, e logo que confirme, eu completarei ou rectificarei. Fazia-se o quinto ano e, tal como no Liceu, ou se parava por ali, ou se seguia em frente para fazer a Secção Preparatória Comercial ou a Secção Preparatória Industrial, com vista a ingressar no Instituto Comercial ou no Instituto Industrial, em Lisboa ou Porto ( não me lembro se existiam em Coimbra ou noutra cidade...).
Ingressei na Escola Técnica, no Curso Comercial.
Nos dois primeiros anos do Liceu e da Escola, as disciplinas lecionadas eram praticamente as mesmas. A partir do terceiro ano, o leque de disciplinas, na Escola, era diferente: a Matemática passava a ser Cálculo, existiam disciplinas como, Economia Doméstica, Noções do Comércio, Contabilidade, e outras de que já nem me lembro...
Na Secção Preparatória Comercial  (a que frequentei e concluí), eram lecionadas somente três disciplinas: Português, Matemática e Físico-Química.
Confesso que fiz de má vontade este ano lectivo, não só porque tinha disciplinas para as quais não tinha  "queda" (Matemática e Físico-Química), mas também porque, para o final, a minha mãe teve de ir para umas Termas, portanto a época mais difícil que era a da preparação para os exames e, sobretudo, porque andava muito ansiosa, angustiada, sei lá!
No final do quinto ano, tinha decidido terminar por ali a vida escolar e procurar emprego. Os meus pais não tinham condições para eu prosseguir. Se eu trabalhasse, poderia, mais tarde, prosseguir à minha custa.

Reinalda - O ano do meu quinto ano.

Tenho que dizer, mais uma vez, que já no escrito intitulado Finalistas 65/66, referi o motivo que me levou a matricular-me na Secção Preparatória Comercial. Na verdade, foi porque alguém, por quem eu tinha uma afeição desmedida, opinou nesse sentido; adiantou até que eu poderia depois tirar o curso de Professora Primária... engraçado porque, naquela época, para as raparigas não se via muito outra profissão, ou seja, para as que continuavam após o quinto ano. No entanto, não era essa a minha ambição. Professora, talvez sim, mas não Professora Primária, por mais que eu tivesse em grande conta esse curso e quem o tirava, como tinha sido o caso da minha avó materna.
Curiosamente, esse alguém, também tinha tido que optar por um curso superior, que balançou por Direito, Economia ou Engenharia, também devido a diversas opiniões e palpites. A minha foi por Economia (devido às suas competências matemáticas), mas a escolha recaiu em Engenharia. Foi a escolha errada, porque acabou mesmo por transitar para Economia.
Muito ilusoriamente, achei que a minha opinião tinha tido alguma influência.
Também muito ilusoriamente, achava que a minha afeição era correspondida.
Mas levou muito, muito tempo, para que me desse conta disso!



segunda-feira, 1 de maio de 2017

Antes que tudo se esfume - Mea Culpa! Alegrias e Tristezas

Não tenho ligado nada ao meu velho blogue.
Fico admirada quando o abro e vejo que já passaram anos depois da última vez. De facto, o último escrito data de 2014 e já estamos quase a meio de 2017.
Quanto tempo!
Quantos acontecimentos!
Quantas perdas já tive!

Já não tenho tios e tias e, pior do que tudo, já não tenho MÃE!

Andei a publicar aqui as minhas lembranças mais antigas, antes que me fugissem da memória. Agora  quase vivo só de lembranças, se bem que recentes. Estou em baixo, por isso acho que me devo desculpar pelos disparates que possa escrever.

Fui reler o que escrevi por último em 2014, e vi que terminei a dizer que foi na casa da Travessa do Pardal e na Escola Técnica, que vivi as maiores alegrias e tristezas.
De facto sim, por serem talvez as que me marcaram mais, naquela época da vida a que agora chamam de adolescência e a que na altura não chamavam nada. Era-se um rapaz ou uma rapariga, que deviam comportar-se com juízo e ponto final.
Agora sei que levei demasiado a sério esse preceito, mas se o levei, foi também porque era da minha natureza que assim fosse. Havia rapazes e raparigas que por vezes pisavam o risco, mas dada a raridade desses acontecidos, eram muito censurados por todos, incluindo seus pares. Os pais entendiam isso como uma vergonha para a família, por isso tomavam medidas drásticas como, transferir os filhos para outro estabelecimento de ensino noutra localidade, ou tirá-los pura e simplesmente da escola e pô-los a trabalhar no duro. Para além claro, das tareias monumentais. Lembro-me de alguns desses casos.

Ah! Uma foto do meu tempo de rapariga...
Jardim José de Lemos - Eu estava sempre sisuda...

Bem, estou outra vez nas lembranças antigas, por isso será melhor que as destaque, como fiz com as anteriores. Vou dar-lhe também um título:

Antes que tudo se esfume - Alegrias e Tristezas da adolescência

Sempre fui muito obediente e cumpridora dos meus deveres, refiro-me aos deveres domésticos, porque não se concebia que uma rapariga não trabalhasse em casa. Na Escola, fiz o que pude, por vezes estudei mais, por vezes estudei menos, desta segunda opção restou-me o amargo de um chumbo no 4º ano (agora 8.º ano). Chamei-lhe "opção", mas está errado, eu não optei por não estudar, simplesmente não o conseguia fazer.  A minha cabeça quase estoirava de tanta preocupação e de tanto sentimento novo: por um lado, era a situação em casa, a minha mãe quase sempre doente, o meu pai, instável,  muitos afazeres domésticos porque éramos muitos em casa, por outro, era o meu coração que andava muito agitado, inebriado, mas também angustiado, com sentimentos como o do amor e também de novas amizades, que me deixavam de rastos; não conseguia reter nada do que lia nos livros escolares, por mais vezes que lesse uma página, chegava ao fim sem saber o que tinha lido. Afinal, não é que viesse a ter muitos maus resultados, o meu problema incidia principalmente na Física e no Cálculo, que já eram as matérias para que sentia não ter muitas aptidões. O pior é que a elas se juntou o Francês, e tenho que dizer que não só por culpa minha, mas sim de uma má professora, que infelizmente era casada com o professor de Cálculo... foi um desastre. Acabei por passar a Física mas às outras duas... chumbo grosso!
Nesse ano não precisei que alguém me dissesse que as minhas férias de Verão iam ser diferentes: eu costumava ir para Almada para casa dos meus tios, no mês de Agosto, mas nesse ano eu disse logo que não iria e que queria trabalhar ou aprender alguma outra coisa. Tinha o sonho de aprender a tocar piano, havia lá quem ensinasse, mas depois de saber quanto as aulas iriam custar, a minha mãe disse logo que não e eu concordei. Acabei então por ir para a empresa de máquinas de costura Singer, que dava cursos de bordados à máquina. Era no largo da Sé, ficava perto de casa e deu certo. Passei lá o Verão, aprendi e bordei algumas coisas, incluindo um lençol que ainda tenho:

No ano lectivo seguinte, houve várias mudanças: de alguns professores e de edifício. Fiquei no edifício-sede da Escola, que era mais perto de casa; isso foi bom, e a mudança de alguns professores também, como a de Francês, que passou a ser a esposa do Director da Escola. Foi com esta professora que aprendi muito mais a língua, o que me entusiasmou para iniciar uma correspondência com duas ou três jovens francesas. Obtive a sua morada numa revistinha que recebia pelo correio, chamada Fagulha, que proporcionava estes contactos.
Não guardei nem um exemplar da revista, o que hoje lamento, mas enfim, também não guardei ou retive muitas outras coisas, paciência!
Ganhei portanto novas amizades, mesmo que à distância, mas também as ganhei ao vivo, na nova turma, e que amizades: duas primas, de que nem sequer sabia da existência, e mais umas novas colegas, de que nunca mais me esqueci e me acompanharam até sairmos da Escola, três anos depois.

Como muito se diz, "há males que vêm para bem", e considero que foi assim comigo, a partir desse ano, tudo melhorou a nível escolar. O meu quinto ano então, decorreu lindamente!
Mas não posso dizer o mesmo em relação ao resto...

Aqui está a sede da minha Escola, onde passei otrês últimos anos de estudos.

segunda-feira, 23 de junho de 2014


Antes que tudo se esfume - Travessa do Pardal

Aquando da vinda da tal amiga “venezuelana”, a minha família já se tinha mudado da Rua do Amparo para fora da muralha da cidade, ainda que, a casa para onde fomos, estivesse quase colada a ela.

A mudança foi para a Travessa do Pardal e ocorreu, penso, em 1960, quando eu tinha 11 anos.

A casa para onde fomos  situava-se, como já disse, fora da muralha. A Travessa do Pardal, há  muitos anos que mudou de nome, tornou-se avenida (quem diria!?), mas isso aconteceu quando eu e a minha família mais próxima já nos tínhamos mudado, há muito tempo, aqui para o sul.

As mudanças não foram só no nome, a travessa que só tinha saída para os baldios (torreão e reinalda), alongou-se bastante e veio dar acesso ao centro da cidade, mais propriamente ao largo da Misericórdia.

Nesta Travessa existiam, praticamente só de um lado, cinco prédios, sendo o meu, o antepenúltimo. O prédio, composto de dois rés-do-chão, primeiro e segundo andares, era dos meus avós paternos. O meu avó terá comprado o imóvel quando o mesmo não ia além do primeiro andar e terá depois feito construir o segundo, que era o que habitava. Tenho uma vaga ideia de ter ouvido dizer que os meus avós terão morado em algum dos apartamentos até ter sido contruído o último, porém eu, sempre os conheci morando neste e foi para este que mudámos quando eles, por sua vez, se mudaram para casa da filha, minha tia, que morava em Almada. A minha tia tinha casado e, depois de morar dois anos com os sogros em Lisboa (sogros que eram tios), mudou-se com o marido (meu tio e meu primo) para Almada. Quis que os pais fossem viver com eles e eles lá foram, ou antes, lá vieram.

Do outro lado da Travessa, só tínhamos um muro que delimitava o quintal da casa do então pároco da cidade, snr. Padre Isidro. A casa paroquial distinguia-se das outras pelo porte, pelo alpendre, pelo tamanho. O caseiro que tomava conta daquela propriedade, tinha tudo bem arranjado, cultivado e florido. Havia um poço para irrigação de todo o terreno. Mais junto ao muro, grassava um silvado, para dissuadir qualquer um de saltar para dentro do quintal; porém, quando alguma bola ia parar lá dentro, o silvado e os pedregulhos nunca impediram a garotada de saltar para lá e resgatar a bola, mesmo que o caseiro viesse atrás dele com uma vara ou fizesse queixa ao pároco e por sua vez aos pais. Mas, que me lembre, nunca nada de muito sério se passou com estas investidas.

Os meus avós tinham decidido ir viver com a filha e o genro (meus tios), que entretanto se tinham mudado de Lisboa para uma casa nova em Almada. Todas estas decisões de mudança foram difíceis: os meus avós, ou antes, o meu avô, não queria ir para casa da filha e genro e só aceitou ir quando ficou garantido que nós nos mudávamos para a casa que eles deixavam. Outras resistências à mudança foram também da minha avó e da minha mãe: resumindo, a minha avó queria que fossemos na condição de pagar uma renda, o meu avô não queria esse pagamento mas a minha mãe impôs-se e disse que sim senhor, pagaria renda ou então não mudávamos.
Bem, saímos da Rua do Amparo e lá nos fomos encaixar na nova casa, que embora não fosse pequena e desse para todos, sentíamos que na outra nos mexíamos melhor. Mas, adaptámo-nos, que remédio.

Connosco, mudaram-se também uma senhora viúva, a Sra.. Alzira e suas duas filhas, Fatinha e Dorzinha, que já eram nossas hóspedes na Rua do Amparo. Lembro-me que estranhei a mudança porque tudo ficou diferente, estávamos mais apertados, embora a casa, como já disse, não fosse pequena, tinha três quartos, duas salas, um hall razoável, uma casa de banho, duas varandas, uma despensa e um sobrado.
Quando a filha mais velha da senhora Alzira se casou e depois a outra acabou os estudos, saíram e ficámos mais à vontade, mas por pouco tempo, no ano seguinte, entraram mais hóspedes (estudantes), por isso nunca deixámos de, ao todo, sermos quase sempre oito ou nove pessoas em casa. Vivi nessa casa até 22 de Julho de 1969, o meu irmão até 1 Janeiro de 1970 e os meus pais ainda por lá ficaram até 31 de Julho de 1971.

Quando me mudei para esta casa, a minha figura era esta:
Para chegar lá acima, havia dois lances de escadas, sendo o último em forma de caracol.

A Travessa do Pardal, era um lugar simpático, amplo, onde podíamos jogar à bola, correr e, melhor que tudo, mesmo na entrada da "Reinalda" e do "Torreão", para onde íamos tantas e tantas vezes. Lamento muito não ter fotos desse espaço, que se espraiava em declive até um pequeno ribeiro ou regato.
A casa paroquial é a que se segue; infelizmente não tenho outra em que se veja o muro e o quintal, porque tudo foi demolido para novas construções:


 Como se percebe, ao lado direito já aparece uma outra casa, branca, que ocupou grande parte do quintal e fez estreitar a antiga travessa. Esta foto é 1997, mas posteriormente a isso já andou em obras de conservação, e já está agora bem melhor, assim, quase parecia uma ruína. Do lado esquerdo, ainda se vê parte da grande árvore que estava no recinto de recreio da Escola, brinquei muitas vezes à sombra dela, agora já não existe.
Digamos que esta casa está no início da travessa, que se estendia para a direita, o que se vê para lá dela, eram, na altura, algumas quintas.
A minha casa era a antepenúltima da travessa, seguia-se o Torreão, que era um matagal com vários arbustos e árvores, ladeado pela Reinada que era um terreno em declive e na sua maior parte, relvado.
Para a Reinalda, entrávamos por uma abertura forçada feita na ponta direita do muro. Descia-se por ali um pouco às escorregadelas, até que, com o tempo, e de tanto pisar o terreno, apareceram uma espécie de degraus em terra batida. As mulheres que iam para lavar roupa lá nos ribeiros mais ao fundo ou iam levar as viandas aos cortelhos dos porcos, tinham de se equilibrar bem, para não rebolarem por ali abaixo. Por falar em rebolar, e eu acho que até já referi isso aí algures noutro escrito, era o que mais gozo nos dava fazer no Verão, rebolar na relva desde cá de cima até lá baixo ao regato.

Voltando ao meu prédio, à casa no último piso, direi que é lá que "moram" as minhas últimas recordações da vida que tive na cidade, até aos 19 anos.
Da minha vizinhança, também me lembro de algumas coisas, por exemplo, no primeiro prédio, chegaram a morar uns primos meus, por parte do meu pai, mas não tenho grandes lembranças, nem do resto das pessoas que lá viviam. Num rés-do-chão ( que não sei se fazia parte desse prédio ou não...?), viveu um casal de que me lembro bem: o homem era cobrador da luz ou da água (?), a mulher estava quase sempre grávida, tinha duas ou três crianças pequenas e quando estava quase para nascer mais uma, a mulher e a criança morreram. Foi uma tragédia naquela família. Veio uma irmã da mulher viver para casa do cunhado, para tomar conta das crianças mas as coisas não corriam nada bem. Entretanto mudaram-se para outro rés-do-chão ao lado (antes uma cave), e não tardou nada que a cunhada ficasse grávida, nasceram crianças, pelo menos duas de que eu me lembre, e que, segundo corria, ela deu para adopção. Dos sobrinhos tratava bem mal, lembro-me de uma menina linda que eu tanto queria levar para casa, nessa altura eu não tinha a noção do que isso implicava. Bem, a família acabou por se mudar para outra cidade e nunca mais se soube deles.
Nessa cave onde viveram, morou antes um casal e uma filha, que eram pessoas muito discretas. Também recebiam hóspedes como nós, e foi de lá que vieram morar para nossa casa mais duas irmãs.
O casal entretanto mudou-se para outro local da cidade. Por cima desta cave, havia mais duas famílias, a do 1.º andar era constituída por seis pessoas, os pais e quatro filhos. Eram "os maus da fita" lá da rua, toda a gente os tratava pela "família rato", ou "os ratos", não que tivessem esse nome, mas porque ninguém se queria aproximar deles. O rapaz mais velho era mau, batia em todos os miúdos da rua, a miúda mais velha era intriguista e intrometida, dos mais pequenos já não me lembro bem. Entretanto, para a casa onde se deu a tal tragédia da morte da mãe e criança, veio viver uma família do Porto (ou de perto), com que nos dávamos bem, lembro-me da filha mais velha, a Berta, com quem gostava de jogar à bola e conversar. Depois também se foram dali, lá mais para baixo, para a dorna. Por cima da família dos ratos, vivia, no último piso, gente que não era da cidade, eram de alguma aldeia próxima e estavam ali para estudar. Só me lembro de uma das raparigas, a Ernestina. Era este prédio, que tinha um quintal, que confinava com o meu. Hoje, está em ruínas.
Por falta de fotos, a não ser a que vai abaixo, resta-me, por agora descrever o resto da rua: seguia-se ao meu prédio o da professora Emília, cujas paredes e quintal confinavam com o nosso. Por fim, a casa da Snra. Elvira, que estava mais recuada porque para lá dos portões havia um bocado de quintal, quintal esse que depois se estendia bastante para a esquerda, a confinar com o Torreão, e que era pertença da minha avó materna e mais tarde, da minha tia Fernanda. Excluindo a minha tia, as pessoas referidas já morreram e as casas passaram  para herdeiros, caso da filha da Snra. Elvira, e a outra foi vendida a outra família, que fez obras e ergueu mais um andar de modo a que ficou quase à altura do nosso.
Esta foto dá alguma ideia do que era a minha travessa, mesmo já com alterações:

O meu prédio tem uma pessoa à porta, era meu tio, infelizmente já partiu.
Depois do meu prédio, estão os tais dois, o que está praticamente junto e o outro que se esconde atrás da árvore. Seguia-se um muro alto, onde havia uma pequena porta, que abrigava o tal quintal que foi da minha tia Fernanda. Para cá do meu prédio, há um quintal ao abandono que fazia parte do prédio contíguo, igualmente ao abandono. Foi no piso térreo que moraram pessoas de que já falei acima. Por fim, o prédio de que só se vê metade mas é o que faz esquina, está mais bem conservado, aqui, no piso de cima moraram os referidos primos meus (de que pouco me lembro, mas cujos filhos e netos conheço bem), e a porta do rés-do-chão era da morada onde sucedeu a tal desgraça de que também já falei.
Percebe-se que hoje não é mais uma travessa, cujo final dava seguimento ao Torreão, que nesta parte não era habitado, embora tivesse casas acima da muralha, que davam para outras ruas. Agora vê-se que a travessa tem continuidade, deu lugar a uma avenida, que vai directamente ao centro da cidade, ao Largo da Misericórdia.
Voltando  à minha casa no último andar, refiro que tem uma varanda estreita mas a toda a largura do prédio. Nas traseiras existe outra varanda, que era coberta por um telheiro. Hoje em dia tem uma marquise. Esta varanda das traseiras da casa, dá para os quintais das casas da Rua do Amparo, de onde tínhamos saído. Isso fazia com tivesse sempre presente essa casa e esse pedaço de quintal e que o contacto com alguma da anterior vizinhança nunca se perdesse.
Foi nesta casa que iniciei a nova etapa escolar, ou seja, tinha deixado a Escola Primária e entrado na Escola Comercial e Industrial da cidade, mais conhecida como Escola Técnica. Penso que já contei, noutro texto, o porquê de ter entrado nesta Escola e não no Liceu, por isso não vou repetir.
As minhas alegrias e tristezas, começaram verdadeiramente aqui, ou seja, nesta casa e na Escola Técnica.