Antes que tudo se esfume - De 1967 a 1969
Os exames decorreram normalmente, se bem que com muitos nervos à mistura.
Respirei de alívio quando tudo terminou e, como já antes referi, acabei por ficar satisfeita por ter conseguido fazer a Secção Preparatória Comercial; mal sabia eu como isso me ia ser tão útil!
Mas esse ano lectivo acabou para mim em lágrimas. Era o fim de um ciclo, não só para mim mas para outros, incluindo os meus colegas, que iriam seguir outros rumos. Muitos desses meus colegas nem queriam acreditar quando lhes disse que para mim tudo acabava ali, ou seja, eu não iria prosseguir, não me interessava ingressar no Instituto Comercial e daí não ter que estudar ainda mais um bocado, para o exame de admissão. As minhas colegas mais amigas, moeram-me a cabeça, mas tiveram que aceitar a minha decisão. Começou aqui o nosso afastamento, se bem que na altura não o admitíssemos. Muitas promessas de nos irmos comunicando e vendo, afinal elas pensavam ir para Lisboa e eu também...
Nos meus planos estava arranjar um emprego em Lisboa, que me permitisse, mais tarde, prosseguir estudos, mas não os das minhas amigas, outros mais virados para as letras do que para os números.
Nos meus planos estava arranjar um emprego em Lisboa, que me permitisse, mais tarde, prosseguir estudos, mas não os das minhas amigas, outros mais virados para as letras do que para os números.
E claro, as nossas vidas iriam ser bem diferentes.
Foi no mês de Julho que começaram verdadeiramente as despedidas. As férias estavam aí, os nossos sucessos escolares faziam-nos sentir bem e os planos de futuro eram muitos. As principais mudanças começaram em casa, eu iria rumar a Lisboa logo em Agosto e o outro alguém também estava de malas feitas para nos deixar definitivamente. O dia da sua partida e despedida, foi um dia de trevas para mim. Não me consigo lembrar exactamente qual o dia do mês, mas sei que estava um belo dia de Verão que não condizia nada com o meu estado interior, bem invernoso. Para me isolar e não ter que dar explicações sobre a razão das minhas lágrimas, desatei a fazer limpezas profundas no quarto que agora passaria a ter um só ocupante, o meu irmão. Desde paredes, janela, chão, mobiliário, foi tudo esfregado, polido, encerado e reorganizado o espaço. Pela hora do jantar, estava tão exausta que mal comi e fui deitar-me.
No início de Agosto, parti para Lisboa, mais propriamente, para Almada. Desta vez não ia simplesmente passar as férias, ia para arranjar emprego e começar uma nova etapa da minha vida.
Fiquei, como sempre, na casa onde moravam os meus tios e os meus vós paternos. O meu tio empenhou-se em ajudar-me e desde logo acionou os seus contactos e eu comecei a procurar em jornais.
No início de Agosto, parti para Lisboa, mais propriamente, para Almada. Desta vez não ia simplesmente passar as férias, ia para arranjar emprego e começar uma nova etapa da minha vida.
Fiquei, como sempre, na casa onde moravam os meus tios e os meus vós paternos. O meu tio empenhou-se em ajudar-me e desde logo acionou os seus contactos e eu comecei a procurar em jornais.
Antes de prosseguir, devo dizer que tinha uma secreta esperança de receber uma carta da pessoa de que tanto gostava e que, finalmente, pudesse estabelecer a relação que tanto desejava. Chegou o fim de Agosto, completei dezoito anos e nada ainda tinha acontecido. Esse meu dia de aniversário, em que tinha posto algumas esperanças de notícias, revelou-se um fracasso e lembro-me de que passei o resto da tarde enfiada no quartinho e que chorei muito.
Quanto a empregos, tinha respondido a alguns anúncios mas quando tomavam conhecimento de que ainda não tinha feito os dezoito anos, dispensavam-me.
Uma das grandes empresas da época, era a CUF, na Av. 24 de Julho. O meu tio soube de um concurso para admissão de pessoal e concorri.
Houve várias provas, testes psicotécnicos, de que, segundo soube depois, me saí muito bem, mas a grande prova era a de dactilografia, de que me saí bastante mal.
Eu nunca tinha visto máquinas daquelas, enormes e complicadas; a dactilografia que aprendi na Escola era rudimentar e em máquinas muito pequenas e, como então percebi, já quase em desuso. Ao meu tio disseram que tinha sido uma pena, mas que não havia nada a fazer, a menos que eu tirasse um curso de dactilografia e aprendesse a sério. Dar-me-iam outra hipótese de tentar repetir a prova.
Então, resolvemos que eu iria frequentar uma escola de dactilografia, em Almada, e tirar o curso.
Essa escola, particular, claro, era orientada por uma senhora muito desagradável à vista, mal cuidada, mas que conseguia ter um bonito sorriso. Das colegas, só me lembro de uma que vinha do Feijó (acho...?!) e se chamava Teresa. Ela passava pela casa dos meus tios e seguíamos juntas para a escola, na rua Bernardo Francisco da Costa.
Não me lembro de quanto tempo demorou o curso, talvez uns dois ou três meses, no fim do qual se fazia um exame e se obtinha um diploma. Fiz o exame e saí com 17 valores.
Voltei a tentar a prova na CUF, mas ainda fiquei muito aquém do esperado e, por incrível que pareça, informaram-me que podia tentar uma terceira vez, mais tarde.
Comprei uma máquina de escrever e ia treinando em casa.
Minha querida máquina, que muito me serviu bem depois, quando ainda não havia computadores e eu já lecionava.
Entretanto tinha vindo passar o Natal com os meus pais, irmão, avó materna e tia, mas sentia-me desiludida com tudo. Pensei então em não voltar para Almada e tentar algo ali mesmo, na minha cidade. Mas o meu tio telefonou algumas vezes a insistir para que fosse, uma vez que o tinham informado que iriam voltar a chamar-me.
Então, por alturas do Carnaval de 1968, fui de novo, para fazer a terceira prova. O meu desempenho não passou além de suficiente e a aventura da CUF, terminou ali. Não tinha de ser, hoje penso que, "Ainda bem"!
Regressei a minha casa, à minha terra, e foi lá que me iniciei no mundo do trabalho, no decorrer do mês de Março de 1968. Consegui emprego numa empresa bem conceituada, a Automóveis da Beira, Lda., representante da BMW e do Gás Cidla (já não me lembro se era assim que se escrevia...). Não desisti no entanto dos meus anteriores planos, por isso mesmo fui concorrendo a Instituições públicas, como Caixas de Previdência, Correios, Bancos, mas a funcionar em Lisboa.
Em virtude de ter como habilitações, o Curso Comercial, o patrão achou por bem sentar-me ao lado de um antigo funcionário, que se ocupava da contabilidade da empresa. A intenção era a de que aprendesse com ele a lidar com uma estrondosa máquina em que ele debitava séries de números e de ondem saiam listagens enormes.
A "simpatia" para comigo do dito funcionário era tanta, que eu acho que se olhou para mim duas vezes foi muito, para além de nunca me dirigir a palavra. Assim fui passando o tempo ali sentada, a ver coisas de que nada entendia. Era eu tão tímida que nunca questionei o dito funcionário nem me atrevia a falar com ninguém, da forma incómoda como me sentia naquela situação.
Quando podia, escapava-me para a sala onde estavam três colegas que atendiam o público e faziam todo o trabalho administrativo e de telefonista. Foi com elas que aprendi o trabalho administrativo e dava-me muito prazer desempenhá-lo quando alguma delas faltava. Foi assim que o patrão se apercebeu de que eu não estava a aprender o trabalho que me estava destinado, com o tal colega sisudo. Mandou-me de novo para o pé dele, o que era um sacrifício. Felizmente, os outros dois colegas dessa sala eram mais simpáticos, o que levou um deles a ensinar-me o que fazia e então passei a ajudá-lo. Este era o sector da contabilidade.
Chegou uma altura em que não tive outro remédio se não dizer ao patrão que não conseguia aprender nada com o colega da máquina só de estar a ver, uma vez que ninguém me tinha explicado o porquê daquele trabalho. Valeu-me o tal colega simpático, que disse ao patrão que eu lhe dava uma boa ajuda. Entretanto também o outro colega que era o chefe daquele sector me começou a iniciar em outros trabalhos e como eu estava a corresponder bem, reforçou o que o outro colega dissera. Foi assim que me vi livre de horas sentada ao pé de uma múmia! Só bem mais tarde é que me apercebi de que o fulano estava era com receio de que eu viesse a aprender a manobrar aquela máquina (que agora penso já ser uma percursora de computador...), de que ele se sentia o único e por isso, ufano, utilizador. A empresa também foi, a certa altura, detentora de uma das primeiras máquinas de fotocópias e eu interessei-me logo por aprender a utilizá-la o que aconteceu com êxito; então, praticamente era a única, tirando o chefe, que sabia fazer fotocópias dos documentos que o público começou a ir pedir e também a resolver problemas de mau funcionamento.
Assim foram passando os meses e sei que o patrão já apreciava bastante o meu trabalho e, principalmente, por ter aprendido praticamente todo o serviço, excluindo, é claro, o da malfadada máquina.
Nesse Verão de 1968, chegou do Brasil o irmão mais novo da minha mãe, que ainda era solteiro, embora já passasse dos quarenta; quando ele emigrou eu era tão pequena que nada me lembrava dele, por isso considero que foi como se o visse pela primeira e vez e simpatizei muito com a sua maneira de ser.
O meu tio brasileiro, tinha trabalhado vários anos no comércio da cidade, por isso ainda tinha muitos amigos dessa época de rapaz. E como amigos chamam amigos, acabou que às tantas já tinha bem mais dos que inicialmente encontrara. Foi assim que se interessou pela irmã de um desses, com quem veio a casar em Março do ano seguinte.
Com ele ainda demos alguns passeios, embora eu estivesse limitada por causa do trabalho.
Uma das grandes empresas da época, era a CUF, na Av. 24 de Julho. O meu tio soube de um concurso para admissão de pessoal e concorri.
Houve várias provas, testes psicotécnicos, de que, segundo soube depois, me saí muito bem, mas a grande prova era a de dactilografia, de que me saí bastante mal.
Eu nunca tinha visto máquinas daquelas, enormes e complicadas; a dactilografia que aprendi na Escola era rudimentar e em máquinas muito pequenas e, como então percebi, já quase em desuso. Ao meu tio disseram que tinha sido uma pena, mas que não havia nada a fazer, a menos que eu tirasse um curso de dactilografia e aprendesse a sério. Dar-me-iam outra hipótese de tentar repetir a prova.
Então, resolvemos que eu iria frequentar uma escola de dactilografia, em Almada, e tirar o curso.
Essa escola, particular, claro, era orientada por uma senhora muito desagradável à vista, mal cuidada, mas que conseguia ter um bonito sorriso. Das colegas, só me lembro de uma que vinha do Feijó (acho...?!) e se chamava Teresa. Ela passava pela casa dos meus tios e seguíamos juntas para a escola, na rua Bernardo Francisco da Costa.
Não me lembro de quanto tempo demorou o curso, talvez uns dois ou três meses, no fim do qual se fazia um exame e se obtinha um diploma. Fiz o exame e saí com 17 valores.
Voltei a tentar a prova na CUF, mas ainda fiquei muito aquém do esperado e, por incrível que pareça, informaram-me que podia tentar uma terceira vez, mais tarde.
Comprei uma máquina de escrever e ia treinando em casa.
Minha querida máquina, que muito me serviu bem depois, quando ainda não havia computadores e eu já lecionava.
A minha máquina de escrever dos anos 60
Entretanto tinha vindo passar o Natal com os meus pais, irmão, avó materna e tia, mas sentia-me desiludida com tudo. Pensei então em não voltar para Almada e tentar algo ali mesmo, na minha cidade. Mas o meu tio telefonou algumas vezes a insistir para que fosse, uma vez que o tinham informado que iriam voltar a chamar-me.
Então, por alturas do Carnaval de 1968, fui de novo, para fazer a terceira prova. O meu desempenho não passou além de suficiente e a aventura da CUF, terminou ali. Não tinha de ser, hoje penso que, "Ainda bem"!
Regressei a minha casa, à minha terra, e foi lá que me iniciei no mundo do trabalho, no decorrer do mês de Março de 1968. Consegui emprego numa empresa bem conceituada, a Automóveis da Beira, Lda., representante da BMW e do Gás Cidla (já não me lembro se era assim que se escrevia...). Não desisti no entanto dos meus anteriores planos, por isso mesmo fui concorrendo a Instituições públicas, como Caixas de Previdência, Correios, Bancos, mas a funcionar em Lisboa.
Em virtude de ter como habilitações, o Curso Comercial, o patrão achou por bem sentar-me ao lado de um antigo funcionário, que se ocupava da contabilidade da empresa. A intenção era a de que aprendesse com ele a lidar com uma estrondosa máquina em que ele debitava séries de números e de ondem saiam listagens enormes.
A "simpatia" para comigo do dito funcionário era tanta, que eu acho que se olhou para mim duas vezes foi muito, para além de nunca me dirigir a palavra. Assim fui passando o tempo ali sentada, a ver coisas de que nada entendia. Era eu tão tímida que nunca questionei o dito funcionário nem me atrevia a falar com ninguém, da forma incómoda como me sentia naquela situação.
Quando podia, escapava-me para a sala onde estavam três colegas que atendiam o público e faziam todo o trabalho administrativo e de telefonista. Foi com elas que aprendi o trabalho administrativo e dava-me muito prazer desempenhá-lo quando alguma delas faltava. Foi assim que o patrão se apercebeu de que eu não estava a aprender o trabalho que me estava destinado, com o tal colega sisudo. Mandou-me de novo para o pé dele, o que era um sacrifício. Felizmente, os outros dois colegas dessa sala eram mais simpáticos, o que levou um deles a ensinar-me o que fazia e então passei a ajudá-lo. Este era o sector da contabilidade.
Chegou uma altura em que não tive outro remédio se não dizer ao patrão que não conseguia aprender nada com o colega da máquina só de estar a ver, uma vez que ninguém me tinha explicado o porquê daquele trabalho. Valeu-me o tal colega simpático, que disse ao patrão que eu lhe dava uma boa ajuda. Entretanto também o outro colega que era o chefe daquele sector me começou a iniciar em outros trabalhos e como eu estava a corresponder bem, reforçou o que o outro colega dissera. Foi assim que me vi livre de horas sentada ao pé de uma múmia! Só bem mais tarde é que me apercebi de que o fulano estava era com receio de que eu viesse a aprender a manobrar aquela máquina (que agora penso já ser uma percursora de computador...), de que ele se sentia o único e por isso, ufano, utilizador. A empresa também foi, a certa altura, detentora de uma das primeiras máquinas de fotocópias e eu interessei-me logo por aprender a utilizá-la o que aconteceu com êxito; então, praticamente era a única, tirando o chefe, que sabia fazer fotocópias dos documentos que o público começou a ir pedir e também a resolver problemas de mau funcionamento.
Assim foram passando os meses e sei que o patrão já apreciava bastante o meu trabalho e, principalmente, por ter aprendido praticamente todo o serviço, excluindo, é claro, o da malfadada máquina.
Nesse Verão de 1968, chegou do Brasil o irmão mais novo da minha mãe, que ainda era solteiro, embora já passasse dos quarenta; quando ele emigrou eu era tão pequena que nada me lembrava dele, por isso considero que foi como se o visse pela primeira e vez e simpatizei muito com a sua maneira de ser.
Aqui estou eu e ele, num passeio que fizemos a Castelo Branco
O meu tio brasileiro, tinha trabalhado vários anos no comércio da cidade, por isso ainda tinha muitos amigos dessa época de rapaz. E como amigos chamam amigos, acabou que às tantas já tinha bem mais dos que inicialmente encontrara. Foi assim que se interessou pela irmã de um desses, com quem veio a casar em Março do ano seguinte.
Com ele ainda demos alguns passeios, embora eu estivesse limitada por causa do trabalho.
A namorada do meu tio, era cabeleireira e pertencia à família de cabeleireiros mais conhecida na cidade. O salão, que já vinha do tempo de um tio, tinha o nome do irmão dela.
Tenho que referir que, embora não houvesse oposição, por parte da minha avó, a este relacionamento e casamento, a ligação a essa família era um pouco reticente. E porquê? Principalmente porque uma irmã mais nova da que veio a ser minha tia, era "falada" na cidade por, supostamente, ser amante de um homem casado. Ironia do destino, esse homem casado, era o meu patrão...
Engraçado que, pelos contactos inevitáveis, mesmo quando o meu tio ainda cá estava e já começara a namorar, eu vim a conhecer melhor essa moça e a gostar bastante dela. Começámos até a visitar-nos e a sair para passear. A minha mãe coitada, não via isto com muito bons olhos, mas desde logo eu lhe disse que não deixaria de ser amiga da moça por causa do que diziam... ela, afinal, era muito solitária.
No Carnaval de 1969, foi essa nova amiga que me incentivou a ir ao baile do Grémio, coisa que nunca tinha feito. Sobre este baile, já falei no escrito intitulado "Outros Carnavais".
No mês de Abril, a minha nova tia partiu ao encontro do marido.
No dia 23 do mês de Julho, fui eu que parti para Lisboa porque tinha recebido, da Caixa de Previdência do Comércio a carta de chamada para me apresentar ao trabalho no dia 25, na Alameda D. Afonso Henriques. Foi nesta altura que me apercebi de quanto eu representava para o meu patrão, que tentou de tudo para me reter. Nunca me tinha pago mais do que quatrocentos e tal escudos e agora estava disposto a pagar-me o mesmo que ia receber em Lisboa. Claro que recusei porque o meu sonho de voltar para a capital e aí poder depois prosseguir estudos, ia realizar-se.