Antes que tudo se
esfume – Escola Primária
A minha cura foi declarada no mês
de Maio de 1956, passados dezoito meses após ter adoecido.
Recordo-me do primeiro dia que
saí à rua depois da doença, o tempo era de Primavera mas mesmo assim a minha
mãe, à cautela, agasalhou-me com um xaile de lã que me atou em cruz atrás das
costas para não o deixar cair e recomendou-me que não me afastasse dali da
porta. Mal a apanhei distraída, subi a correr pela rua da montanha acima e dei
volta a todas as ruas que conhecia, evitando passar pela rua da minha avó, não
fosse o caso de me verem da janela e me travarem no meu passeio. Lembro-me da
sensação das pernas a tremer, do coração a bater e de não me importar nada com
isso e só querer andar, andar e ver tudo. Claro que cheguei cansada e a minha
mãe só não me deu uma tareia porque ficou alarmada demais.
Mas o tempo foi avançando e fui
ficando mais forte e mais confiante.
Em Agosto fiz os sete anos e em 7
de Outubro entrei finalmente na Escola Primária do Espírito Santo.
Escola Primária do Espírito Santo
Mas ainda era cedo para confiar
totalmente nas minhas forças, por isso fui sempre muito vigiada e quando a
minha mãe me levou à Escola pela primeira vez a professora foi logo muito
avisada de que eu não podia brincar no recreio como as outras crianças, que não
podia correr, que não podia apanhar sol, etc., etc.
Do primeiro dia de aulas ficou-me
uma decepção: a professora, D. Carmelina, ao determinar os nossos lugares nas
carteiras (as antigas secretárias de madeira) fez-me sentar, com outra miúda,
na penúltima da primeira fila. A explicação que ela deu foi que as meninas mais
altas tinham de ficar mais atrás… isto sempre me surpreendeu porque, pequena
como sou e acho que sempre fui, pelo visto, na 1.ª classe, eu era das mais
altitas…
Outra situação que ao princípio
me deixou desconcertada era o facto de eu não ser a única na classe com este
nome, nome de que, por acaso, não gostava nada. Quando tive consciência de que
este meu nome se devia à escolha da minha madrinha, que também se chamava assim
e que a minha mãe teve de aceitar porque enfim, era de tradição a madrinha
escolher, fiquei muito aborrecida, para mais que a minha mãe já teria em mente
outro nome de que eu gostava muito mais, mas a chegada dos tios brasileiros que
ela convidou para padrinhos, veio alterar tudo.
Bem, estava eu a contar que
fiquei surpresa com a existência de outra miúda com o meu nome e a surpresa não
foi só essa; é que, a tal miúda tinha uma irmã gémea, a Dulce Helena, e a minha
melhor amiga e vizinha, também se chamava Dulce Helena. Esta duplicação dava
azo a várias peripécias, a professora chamava pelo meu nome e levantávamo-nos
duas, e com a minha amiga e a outra Dulce Helena, sucedia o mesmo.
Nessa classe, havia também outra
miúda minha amiga, que se chamava Antonieta, nome esse que era precisamente o
que a minha mãe me teria dado, caso tivesse sido ela a decidir e de que gostava
muito. Sentia-me muito infeliz quando pensava que eu poderia também chamar-me
Antonieta e não aquele meu nome que detestava.
De facto, durante anos, detestei
o meu nome, soava-me muito mal e não gostava de ouvir chamarem-me, mas claro,
como tudo nesta vida vai passando, essa malquerença ao meu nome também me
passou. As minhas amigas também passaram, ou seja, perdi-lhes completamente o
rasto. As gémeas, chamadas de “gémeas da mata” porque eram filhas de um guarda-florestal,
nunca mais vi, as outras também vi pouquíssimas vezes mais.
Felizmente, os quatros anos de escola primária decorreram sem
incidentes, tanto a nível da aprendizagem como da saúde. Acho que fui boa
aluna, fiz os exames da terceira e da quarta classes e o exame de admissão ao
Liceu e à Escola Técnica. No exame de admissão ao Liceu é que tive o primeiro
grande desgosto escolar, porque reprovei. Como não me tinha inscrito para o
exame de admissão à Escola Técnica, a minha mãe teve de pagar a multa para eu
fazer o exame, que correu bem e entrei então depois na Escola Comercial e
Industrial. Abreviei aqui os acontecimentos, mas talvez volte ao assunto mais
tarde, para expor, enquanto me lembro, tudo o que realmente aconteceu. É que, comecei a vida escolar com uma decepção em relação à professora primária e terminei-a de igual modo, se bem que durante o decorrer dos quatro anos escolares a professora me tenha cativado. Por isso, a última decepção foi mesmo a mais marcante, não esperava dela a atitude que tomou, tanto em relação a mim como a mais alguns alunos. Os pais também não gostaram nada. E sem dúvida que a minha reprovação na admissão ao Liceu, teve tudo a ver com isso.
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