domingo, 11 de novembro de 2012

Antes que tudo se esfume - Escola Primária


Antes que tudo se esfume – Escola Primária


A minha cura foi declarada no mês de Maio de 1956, passados dezoito meses após ter adoecido.

Recordo-me do primeiro dia que saí à rua depois da doença, o tempo era de Primavera mas mesmo assim a minha mãe, à cautela, agasalhou-me com um xaile de lã que me atou em cruz atrás das costas para não o deixar cair e recomendou-me que não me afastasse dali da porta. Mal a apanhei distraída, subi a correr pela rua da montanha acima e dei volta a todas as ruas que conhecia, evitando passar pela rua da minha avó, não fosse o caso de me verem da janela e me travarem no meu passeio. Lembro-me da sensação das pernas a tremer, do coração a bater e de não me importar nada com isso e só querer andar, andar e ver tudo. Claro que cheguei cansada e a minha mãe só não me deu uma tareia porque ficou alarmada demais.

Mas o tempo foi avançando e fui ficando mais forte e mais confiante.

Em Agosto fiz os sete anos e em 7 de Outubro entrei finalmente na Escola Primária do Espírito Santo.

Escola Primária do Espírito Santo
Mas ainda era cedo para confiar totalmente nas minhas forças, por isso fui sempre muito vigiada e quando a minha mãe me levou à Escola pela primeira vez a professora foi logo muito avisada de que eu não podia brincar no recreio como as outras crianças, que não podia correr, que não podia apanhar sol, etc., etc.

Do primeiro dia de aulas ficou-me uma decepção: a professora, D. Carmelina, ao determinar os nossos lugares nas carteiras (as antigas secretárias de madeira) fez-me sentar, com outra miúda, na penúltima da primeira fila. A explicação que ela deu foi que as meninas mais altas tinham de ficar mais atrás… isto sempre me surpreendeu porque, pequena como sou e acho que sempre fui, pelo visto, na 1.ª classe, eu era das mais altitas…

Outra situação que ao princípio me deixou desconcertada era o facto de eu não ser a única na classe com este nome, nome de que, por acaso, não gostava nada. Quando tive consciência de que este meu nome se devia à escolha da minha madrinha, que também se chamava assim e que a minha mãe teve de aceitar porque enfim, era de tradição a madrinha escolher, fiquei muito aborrecida, para mais que a minha mãe já teria em mente outro nome de que eu gostava muito mais, mas a chegada dos tios brasileiros que ela convidou para padrinhos, veio alterar tudo.

Bem, estava eu a contar que fiquei surpresa com a existência de outra miúda com o meu nome e a surpresa não foi só essa; é que, a tal miúda tinha uma irmã gémea, a Dulce Helena, e a minha melhor amiga e vizinha, também se chamava Dulce Helena. Esta duplicação dava azo a várias peripécias, a professora chamava pelo meu nome e levantávamo-nos duas, e com a minha amiga e a outra Dulce Helena, sucedia o mesmo.

Nessa classe, havia também outra miúda minha amiga, que se chamava Antonieta, nome esse que era precisamente o que a minha mãe me teria dado, caso tivesse sido ela a decidir e de que gostava muito. Sentia-me muito infeliz quando pensava que eu poderia também chamar-me Antonieta e não aquele meu nome que detestava.

De facto, durante anos, detestei o meu nome, soava-me muito mal e não gostava de ouvir chamarem-me, mas claro, como tudo nesta vida vai passando, essa malquerença ao meu nome também me passou. As minhas amigas também passaram, ou seja, perdi-lhes completamente o rasto. As gémeas, chamadas de “gémeas da mata” porque eram filhas de um guarda-florestal, nunca mais vi, as outras também vi pouquíssimas vezes mais.
Felizmente, os quatros anos de escola primária decorreram sem incidentes, tanto a nível da aprendizagem como da saúde. Acho que fui boa aluna, fiz os exames da terceira e da quarta classes e o exame de admissão ao Liceu e à Escola Técnica. No exame de admissão ao Liceu é que tive o primeiro grande desgosto escolar, porque reprovei. Como não me tinha inscrito para o exame de admissão à Escola Técnica, a minha mãe teve de pagar a multa para eu fazer o exame, que correu bem e entrei então depois na Escola Comercial e Industrial. Abreviei aqui os acontecimentos, mas talvez volte ao  assunto mais tarde, para expor, enquanto me lembro, tudo o que realmente aconteceu. É que, comecei a vida escolar com uma decepção em relação à professora primária e terminei-a de igual modo, se bem que durante o decorrer dos quatro anos escolares a professora me tenha cativado. Por isso, a última decepção foi mesmo a mais marcante, não esperava dela a atitude que tomou, tanto em relação a mim como a mais alguns alunos. Os pais também não gostaram nada. E sem dúvida que a minha reprovação na admissão ao Liceu, teve tudo a ver com isso.

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