sábado, 12 de dezembro de 2009

Trilogia Millenium

Trilogia Millenium


Sou apenas uma entre os milhões de pessoas que, em todo o mundo, já leram esta obra e sinto-me muito satisfeita por isso. Sim, porque podia não ter lido, como certamente muitos outros milhões não leram, tanto por não se interessarem, como por não gostarem de ler seja o que for ou, infelizmente, por não saberem ler ou sequer ter acesso a qualquer linha escrita ou conhecimento do que isso seja.
Sou, portanto, uma privilegiada, ou antes, privilegiadíssima, porque, por um lado, me foram proporcionadas condições que desenvolveram o meu gosto pela leitura e, por outro, porque pude ler esta saga.

Devo porém a uma pessoa o conhecimento que tive dela, e essa pessoa é a Dra. Maria José Nogueira Pinto. Foi por mero acaso (não costumo ler o que publica) que dei com um artigo seu no Diário de Notícias (via on-line), publicado em 6 de Agosto deste ano de 2009. O título “O Homem que amava as mulheres”, chamou-me a atenção e, quando dei por mim, já estava a reler o artigo. Daí até ir à FNAC foi um passo e, tal como aconteceu a todos que leram (ainda não soube de alguém a quem não tenha acontecido…) não descansei enquanto não cheguei ao fim das tais quase duas mil páginas. Assim me tornei também uma “larssonmaníaca”.

De “água na boca” por ter terminado, restou-me a consolação de andar depois a pesquisar e a ler o que outros sentiram, as suas opiniões e críticas.

Concordei com a maioria do que foi escrito e lamentei igualmente a súbita morte do autor sueco, Stieg Larsson, que tinha previstos mais livros. Como não saberia dizê-lo melhor, limito-me a transcrever dois trechos que achei relevantes e, claro, começo pelo que estava no tal artigo; qualquer um poderá ir lê-lo na íntegra, se aceder ao site do DN e pesquisar pelo título que indiquei e pela data de publicação ou então tentar o site que indico. O outro é do artigo escrito por Mario Vargas Llosa no El País (Tribuna), igualmente on-line, com o título “Lisbetth Salander debe vivir”, também facilmente acessível.

Do DN de 6/08/09:
"(…) Apesar do ritmo vertiginoso da narrativa e da magistral e complexa arquitectura do enredo que parecem supor apenas uma imaginação polifacetada, os três volumes narram uma sucessão de histórias verosímeis. O autor trata da realidade, de uma realidade que aliás conhece bem. A sua formação é a de um bom jornalista de investigação, a sua obsessão assente em ameaças reais. Todas as áreas onde entra - da informática aos serviços secretos, da economia ao poder judicial, do jornalismo aos movimentos antidemocráticos, da pedofilia ao tráfico de mulheres, da política ao sistema de protecção de menores, tudo foi estudado a fundo, mas não só, tudo foi, de um modo ou de outro, vivenciado pelo autor.
Millenium vai além de uma saga negra, ainda que a mais lida do século XXI. É um inteligente e profundo repertório sobre as contradições crescentemente visíveis e angustiantes das sociedades actuais, um acto criador dos modernos heróis e dos novíssimos combates entre o bem e o mal. E, para todos nós, "larssonmanícos", infelizmente a obra única e póstuma de um grande escritor. É certo que vem aí o filme, mas sendo flagrante, neste caso, a importância da personalidade do autor e o seu reflexo permanente na trama que desenvolve, a dúvida é o que fará com esta o realizador: não seria a primeira vez que um mau filme assassinaria uma excelente história…"
(http://dn.sapo.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=1327233&seccao=Maria%20Jos%E9%20Nogueira%20Pinto&tag=Opini%E3o%20-%20Em%20Foco)
Do El País, 6/09/09
"He leído 'Millennium' con la felicidad y excitación febril con que de niño leía a Dumas o Dickens. Fantástica. Esta trilogía nos conforta secretamente. Tal vez todo no esté perdido en este mundo imperfecto
(…)
¿A qué viene este preámbulo? A que acabo de pasar unas semanas, con todas mis defensas críticas de lector arrasadas por la fuerza ciclónica de una historia, leyendo los tres voluminosos tomos de Millennium, unas 2.100 páginas, la trilogía de Stieg Larsson, con la felicidad y la excitación febril con que de niño y adolescente leí la serie de Dumas sobre los mosqueteros o las novelas de Dickens y de Victor Hugo, preguntándome a cada vuelta de página "¿Y ahora qué, qué va a pasar?" y demorando la lectura por la angustia premonitoria de saber que aquella historia se iba a terminar pronto sumiéndome en la orfandad. ¿Qué mejor prueba que la novela es el género impuro por excelencia, el que nunca alcanzará la perfección que puede llegar a tener la poesía? Por eso es posible que una novela sea formalmente imperfecta, y, al mismo tiempo, excepcional. Comprendo que a millones de lectores en el mundo entero les haya ocurrido, les esté ocurriendo y les vaya a ocurrir lo mismo que a mí y sólo deploro que su autor, ese infortunado escribidor sueco, Stieg Larsson, se muriera antes de saber la fantástica hazaña narrativa que había realizado.
(…)
Si uno toma distancia de la historia que cuentan estas tres novelas y la examina fríamente, se pregunta: ¿cómo he podido creer de manera tan sumisa y beata en tantos hechos inverosímiles, esas coincidencias cinematográficas, esas proezas físicas tan improbables? La verosimilitud está lograda porque el instinto de Stieg Larsson resultaba infalible en adobar cada episodio de detalles realistas, direcciones, lugares, paisajes, que domicilian al lector en una realidad perfectamente reconocible y cotidiana, de manera que toda esa escenografía lastrara de realidad y de verismo el suceso notable, la hazaña prodigiosa. Y porque, desde el comienzo de la novela, hay unas reglas de juego en lo que concierne a la acción que siempre se respetan: en el mundo de Millennium lo extraordinario es lo ordinario, lo inusual lo usual y lo imposible lo posible.
Como todas las grandes historias de justicieros que pueblan la literatura, esta trilogía nos conforta secretamente haciéndonos pensar que tal vez no todo esté perdido en este mundo imperfecto y mentiroso que nos tocó, porque, acaso, allá, entre la "muchedumbre municipal y espesa", haya todavía algunos quijotes modernos, que, inconspicuos o disfrazados de fantoches, otean su entorno con ojos inquisitivos y el alma en un puño, en pos de víctimas a las que vengar, daños que reparar y malvados que castigar. ¡Bienvenida a la inmortalidad de la ficción, Lisbeth Salander!"
(http://www.elpais.com/articulo/opinion/Lisbeth/Salander/debe/vivir/elpepiopi/20090906elpepiopi_11/Tes)A concluir, informo que o filme sobre o primeiro livro da Trilogia “Os Homens Que Odeiam as Mulheres”, de facto estreou há uns tempos, mas não senti nem um pouco a vontade de ir vê-lo. Estou em crer que é dos tais que “assassina uma excelente história”.

domingo, 29 de novembro de 2009

Verão de 1976

Verão de 1976


Que memórias evoco olhando esta foto?
Não fosse o cartaz afixado na parede e eu não conseguiria, ao certo, datá-la: Verão de 1976, sem qualquer dúvida!
O que não sei bem é se a foto é anterior ou posterior às eleições presidenciais de 27 de Junho desse ano. Pode ser posterior e o cartaz ter ficado ali como recordação de uma ilusão que se viveu…o Otelo de facto não ganhou as eleições, foi até bastante ultrapassado em votos pelo Ramalho Eanes, embora tenha ficado em segundo lugar no conjunto dos quatro concorrentes, que se completavam com Pinheiro de Azevedo e Octávio Pato.

Voltando à foto: o que estaríamos a comemorar? Provavelmente o aniversário de um de nós, não consigo adivinhar de quem. Se o cartaz é posterior ao acto eleitoral, até podia ser o meu, mas tenho quase a certeza que não. O mais certo é ser da única colega que está sentada, a Teresa O. O grupo de colegas daquela Secção onde trabalhei era bastante maior, mas também não faço ideia porque estamos somente nove, ou antes, deviam ser dez, porque alguém tirou a foto.
Ainda me lembro de praticamente todos os nomes, tive dúvidas sobre o único colega, que eu de repente achei que se chamava Rui. E chamava, Rui A., assim mo afirmou a Mariazinha. Ela sempre teve muito boa memória e continua a ter, por isso confio. Desse colega ela acrescentou mais pormenores que eu já não lembrava, por exemplo, que também era de História e gostava muito de se exibir em conversas pseudo-intelectuais e era muito “chato”; desta última parte eu lembrava-me e também de um romance que nasceu entre ele e a colega que lhe está ao lado (a outra Teresa). Bem, mas então quem está na foto? Da esquerda para a direita: a Rosário (a quem chamávamos Rosário-pequena para a distinguir de uma outra Rosário bem mais alta), a Fernanda D., a Maria, a Mariazinha, eu, a outra Teresa, o tal Rui e a Helena B.
À excepção das duas Marias, com quem estabeleci maiores laços de amizade e portanto sempre mantive até hoje um contacto regular, não faço ideia do que aconteceu a todos os outros, que rumo terão levado as suas vidas…
Reparei também num outro pormenor: apenas uma colega está de bata, e isto pode ter duas leituras: ou de propósito e num acto de pura “vaidosice” nós, as outras, a despimos para a foto, ou então já imperava a liberdade de vestir ou não vestir e a maioria já não vestia mesmo. Eu ainda conservo uma das minhas batas e confesso que não me incomodava nada usá-la mas enfim, com certeza alinhei na onda libertária que se vivia.

Trabalhei naquela Instituição de 1969 a 1983, foi lá que entrei a sério no mundo do trabalho, que abri os olhos para tanto da vida que eu desconhecia, que fiz as amizades mais duradouras, que pude, com a compreensão e apoio das chefias, usar sem problemas os créditos de horas de trabalhadora-estudante e assim fazer a minha licenciatura. Também não esqueço que foi, com as autorizações de gozo de licenças sem vencimento, que pude, sem grandes sobressaltos, ir experimentando outra carreira, a docente, e por fim e ainda ao abrigo de uma licença ilimitada, optar, com segurança, por esta. Portanto, relembro com bastante agrado aqueles tempos, aquelas pessoas e até aquela zona, circundante à Alameda, para mim uma das mais agradáveis e emblemáticas da cidade.
Talvez tenha mais fotos daquela época, daquele espaço, mas terei de procurar. Tenho com certeza uma ou duas que recordam um certo passeio proporcionado pela Instituição a todos os funcionários, num local chamado Casa Branca. Quando encontrar umas e outras, talvez venha a comentá-las aqui também.
Evocarei então outras memórias desses tempos com essas fotos (ou algumas mais antigas), mas fica aqui dito que, para início, gostei de ter encontrado esta em primeiro lugar.
P.S. Muito recentemente, já se me colocaram novas dúvidas àcerca do nome do colega: é que a minha amiga Maria, quando viu a foto, chamou-lhe Victor sem qualquer hesitação. E agora?
Bem, Rui ou Victor, interessa que ele, tal como os outros(as) fizeram parte de um determinado período da minha vida e, estando ou não o nome errado, olho-o e lembro-me da pessoa que era.

sábado, 24 de outubro de 2009

E se eu quisesse falar do Quarteto de Alexandria?


E se eu quisesse falar do Quarteto de Alexandria?





Há falta de melhor, começaria por dizer que li aqueles estonteantes quatro livros entre 1971
 e 1972, por empréstimo de uma colega de trabalho e amiga. Amiga até aos dias de hoje e que foi sendo igualmente colega quando ambas decidimos mudar o rumo de nossas vidas ao levar a cabo um curso e ingressar na carreira docente. Continuamos colegas na nossa condição de aposentadas.

E o Quarteto?

Quando a conheci, a minha amiga era daquelas pessoas que não deixava ninguém indiferente pela sua exuberância, resposta sempre pronta, um sentido de humor que por vezes era de rir até às lágrimas outras era mais acutilante, irónico e que nem todos aceitavam muito bem ou sequer entendiam. Falava com paixão e às vezes até à exaustão de tudo o que lhe interessava e, verdade seja dita, foi ela que muitas vezes deu a conhecer algum livro, música, filme, etc. ao pessoal (colegas) com quem dividia os dias. Estar calada, não era com ela, se por acaso isso acontecia e nunca por muito tempo, o ambiente ficava tenso. Mas o normal mesmo, era passarmos muito dos nossos dias de trabalho (que era muito, diga-se) em boa disposição e quase sempre na risota.
Posso dizer que eu era o contrário dela. Muito metida na minha concha, enfronhava-me no trabalho sempre a desejar que não dessem por mim. Mas aquela colega mexeu comigo. Percebi que ela era uma pessoa feliz, que tinha tido uma infância e adolescência muito tranquilas mas também divertidas, que era tudo o que eu não tivera.
Fiquei atenta àquela pessoa, tão diferente das outras, e acho que logo a entendi. Então, não raras vezes era eu a única que ria baixinho e com gosto de alguma daquelas suas piadas irónicas que deixava as outras embatucadas, sem saber se a coisa era para rir ou ripostar por desaforo.
Ela também me entendeu e por isso se aproximou.
Travei conhecimento com algumas das personagens do Quarteto, ainda antes de ler o primeiro volume, Justine, e era como se de pessoas reais se tratasse, porque a minha amiga, no seu grande entusiasmo com a obra, cada dia citava uma ou outra como se estivesse estado com elas na véspera; comentava e descrevia cada lugar da misteriosa Alexandria como se por lá tivesse andado também. Devo confessar que ficava por vezes sem entender nada daquelas “tiradas”, daquele mundo, daquele ambiente onde decorria a acção.
Estava desejosa de ler também para, no meu sossego, ver se entendia alguma coisa: que personagens eram aquelas? Que vidas? Que linguagem? Que literatura era aquela? Que género, um romance? Histórias de Vidas?
Não foi preciso que eu pedisse, à minha amiga nem passava pela cabeça que eu não lesse, e rápido, para poder entrar no grupo dos “iniciados” no Quarteto.
Li Justine com o coração aos saltos. Havia um narrador que era também personagem e que fazia a ponte entre dois mundos: o oriente e o ocidente. Havia o amor, a dúvida existencial, as relações intrincadas, o velho poeta da cidade, os poemas dele e, sobretudo, a “febril” Alexandria! Baltasar, o segundo livro, era a mesma história contada por outro, e com que revelações!? O mesmo com Mountolive, mas então surge a história de forma mais objectiva e por fim, assim como uma conclusão mas não o sendo, o magnífico Clea, que nos transporta para outro tempo, o tempo que passara. Nós, os leitores dávamos então conta de como o autor, Lawrence Durrel, nos conduzira pelos labirintos do amor, da paixão, da loucura, da desilusão, da infindável procura do eu, da decadência, da finitude.

Não consegui nessa época ficar assim com tudo mais ou menos “arrumadinho” na cabeça, como me saiu agora. Não. E se está assim mais ou menos arrumadinho também não foi só por mérito meu. Li várias apreciações e comentários depois sobre a obra, tanto para confrontar o que eu pensava com o que outros pensavam, como para me ajudarem a entender melhor. Comprei os livros mais tarde, já em 1973, e não todos juntos. Primeiro o Baltasar e a Clea, ainda com aquelas capas vermelhas, inconfundíveis, com que foram editados pela Ulisseia e, em 1974, a Justine e o Mountolive, da mesma editora mas já com umas capas que deixavam muito a desejar. O tamanho também era diferente, para pior: os primeiros quase podiam ser simpáticos livros de bolso, os segundos já não, capas duras e mais pesadões.
Tive pois ocasião de ir relendo ora um ora outro, aliás coisa que ainda faço agora, e sempre me surpreendo com algo que parece que me escapou, ou algo que tinha entendido de maneira diferente.
Sobre o velho poeta da cidade, tão citado na obra, acabei por ter, anos mais tarde, uma agradável surpresa. Diga-se em abono da verdade que, por falta de perspicácia minha, burrice mesmo, nunca me preocupei em averiguar se o poeta existira mesmo ou apenas na ficção. Ficara sim na minha cabeça, mas ao nível do que me ficara das restantes personagens. Porém, numa das minhas releituras, o nome Cavafis, como é referido em Justine, levou-me a abrir mais os olhos para as notas de roda-pé e então fiquei sem dúvidas: o homem existiu mesmo! Mas, nessa altura ainda não havia internet e, nas livrarias, nunca vira nada dele.
Podia ter averiguado, perguntado, inclusive à minha amiga, mas não o fiz. Sei lá porquê?!
Já não convivíamos diariamente, a nossa profissão era a mesma mas cada uma fora exercê-la para seu lado. Passámos a ver-nos raramente, embora nos mantivéssemos em contacto regular, por telefone. Coisa que ainda hoje sucede e agora também via net.
Bem, mas o facto é que acabei por dar com o poeta, assim, inesperadamente, na livraria ASA, em 2004, ou seja, mais de 30 anos depois. Fiquei emocionada e, ao mesmo tempo irritada comigo por ter sido tão negligente. O livro dos “90 e Mais Quatro Poemas” de Cavafy, com tradução de Jorge de Sena, já ia na 3.ª edição e eu não dera por nada. Senti-me tão estúpida!
Eu já recomendara o Quarteto a algumas pessoas e nunca lhes falara do poeta, da sua existência real.
Considerei então que não passava de uma ignorante.
Restou-me a consolação de que, à última
dessas pessoas a quem recomendei a obra, ainda fui a tempo: para me redimir, não só lhe chamei a atenção para os poemas, como lhe ofereci o Livro. Também foi uma surpresa para ela.
Ainda no mesmo ano, encontrei o Livro “Poemas e Prosas” de Konstandinos Kavafis, com tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis, editado pela Relógio D’Água. Este tem a particularidade de conter os poemas e prosas em grego e a tradução em português. Oriundo de uma família grega radicada em Constantinopla, Cavafis nasceu porém em Alexandria, no Egipto, em 1863. Segundo Jorge de Sena,o poeta era profundamente grego pela cultura mas muito pouco pela vivência (...). Morreu na mesma cidade em 1933.
Não são muitos os poemas que estão num e noutro livro, mas os que se repetem têm uma tradução diferente. Diferente também a tradução dos que constam do próprio Quarteto.
Vou deixar aqui parte de um desses poemas, inserido no contexto em que surgiu e que envolvia Justine e Nessim:
Estava toda a discordância das suas vidas na medida da angústia que tinham herdado da vida e do século? “Oh!, meu Deus – perguntava ele -, porque não havemos, Justine, de sair desta cidade? Porque não vamos em busca de outros ares menos impregnados do sentimento do exílio e do fracasso?” Os versos do velho poeta voltavam-lhe à memória, amplificados como sob a pressão do pedal de um piano, faziam vibrar a frágil esperança que esta ideia tinha acordado no seu sono tenebroso:

Não existe outra terra, meu amigo, nem outro mar,
Porque a cidade irá atrás de ti; as mesmas ruas
Cruzam sem fim as mesmas ruas; os mesmos
Subúrbios do espírito passam da juventude à velhice,
E perderás os teus dentes e os teus cabelos
Dentro da mesma casa. A cidade é uma armadilha.
Só este porto te espera,
E nenhum navio te levará onde não podes.
Ah!, então não vês que te desgraças neste lugar miserável
E que a tua vida já não vale nada
Nem que tu vás procurá-la nos confins da terra?
Resta acrescentar
que o poema se chama mesmo “A Cidade”.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Memórias


Memórias de leituras juvenis


Há uns tempos, andava eu em grandes arrumações com vista a desfazer-me de vários objectos, desde pequenos móveis, utensílios, bibelôs, roupas, sapatos e também CDs e livros (de vez em quando tenho de fazer isso para poder continuar a habitar neste espaço que é a minha casa...) quando dei com uma relíquia cujo conteúdo literário ainda consta das minhas memórias de final de adolescência.Recordei-me das razões que me levaram a conservar o livro até aos dias de hoje: primeiro porque foi certamente a primeira obra de um autor estrangeiro que eu li, e segundo porque o romance me marcou bastante por ser baseado em factos verídicos e me mostrar a realidade histórica e trágica de dois países do continente americano no século XVIII, que eu, na altura, desconhecia. Sobre a autora, escrevia-se que tinha ganho um prémio a nível da Literatura Juvenil com um outro romance e que este, "Uma Inglesa no Cativeiro", não lhe ficava atrás em termos de verdade histórica e traçado psicológico das personagens (...)A obra era datada de 1957 e a autora, americana, chamava-se Elizabeth George Speare. O exemplar que conservo, adquiri-o na primeira década de 70 quando já trabalhava em Lisboa, editado pela Portugália Editora precisamente em 1970, mas quando me chegou às mãos pela primeira vez, foi através da Biblioteca Itinerante da Fundação Calouste Gulbenkian, quando eu ainda vivia na minha cidade natal, a Guarda, ou seja, nos anos 60. Nessa época, a escolha das leituras para rapazes e raparigas, excluindo a de alguns dos clássicos portugueses, ainda se regiam pelo que era considerado adequado a cada sexo, e este era dos que pertencia à recomendável colecção da "Biblioteca das Raparigas".
Claro que conservo ou conservei durante bastantes anos vários outros, refiro-me aos clássicos portugueses, alguns dos quais ainda agora releio com gosto e cujas primeiras leituras constituíram para mim os poucos momentos de grande prazer nessa minha longínqua e pouco feliz adolescência. Desses, relembro especialmente os livros do Júlio Dinis, de que destaco a “Morgadinha dos Canaviais” e “Uma Família Inglesa”, os do Eça de Queirós, com os seus inesquecíveis “Os Maias” e “As Cidades e as Serras” entre outros, o Almeida Garrett com, principalmente, “O Arco de Santana” e as “Viagens na Minha Terra” e os de um certo Nuno de Montemor, o fundador do Lactário da minha cidade e autor de contos e de romances como o tocante “Maria Mim” ou “A Paixão de Uma Religiosa”.

sábado, 10 de outubro de 2009

Assim aconteceu

Assim aconteceu


-Tia, por que razão não crias um blogue? Tu gostas de escrever…
- Blogue? Para quê? Nem faço ideia de como se faz isso…
- Mas sei eu. Queres ver? Vou criar-te um. Depois podes escrever o que te der na gana e divulgar. Manda para os teus amigos.

E aqui está o blogue.
A verdade é que:

Não entendo nada disto dos blogues,
Não sei se estou a escrever no sítio certo,
Não sei se me agrada ter um blogue,
Não faço ideia do que vou escrever,
Não sei mesmo se sei escrever alguma coisa.
E se escrever?
Divulgo?
A quem é que isso interessa?