Reinalda /Torreão
Finalmente as fotos que pretendia colocar aqui!
Eu poderia ser, não a Nini da canção mas a Lili dos 15 anos... acompanhada de outras moças a rondar pela mesma idade, e de um senhor já de cabelos brancos.
Refiro-me a mim como Lili porque, já na minha idade bem adulta, houve quem passasse a chamar-se assim, coisa que dura até hoje.
Mas voltando à época da minha juventude e às minhas recordações, começo por localizar o cenário da foto: um terreno baldio, bem próximo da minha casa, na Guarda, a que chamávamos Reinalda. Nunca cheguei a saber se este era o nome verdadeio desse baldio, mas o terreno que lhe dava contiguidade, o Torreão, esse sim, ainda hoje, o que resta dele, tem essa designação, bem como o arruamento próximo.
Tenho muito boas lembranças deste sítio, refiro-me principalmente à Reinalda, pela maior proximidade. Na Primavera, quando as florinhas e as espigas campestres despontavam por todo o lado e as árvores se enchiam de rebentos e folhas, a paisagem que se avistava lá de cima da varanda ou das janelas, era um regalo para a vista. Mais ao longe, ainda se avistavam, um fio de água do ribeirito que corria e onde algumas mulheres ainda iam lavar a roupa, e uns cortelhos feitos de tábuas desengoçadas, onde alguns porcos aguardavam pelas viandas diárias que outras mulheres transportavam à cabeça, em baldes de zinco, assentes nas rodilhas feitas de trapos (panos velhos). As viandas, além de cargas pesadas, eram nojentas, uma vez que consistiam nas sobras alimentares recolhidas em cada casa por essas mulheres (as donas dos porcos), que assim os alimentavam, sem mais despesas. Tudo o que fosse desperdícios de comida, ia para o balde de zinco que se escondia debaixo do lava-louça e que, logo que enchesse, seria recolhido por uma dessas mulheres, normalmente pessoa conhecida, vizinha.
Mas era no Verão que a Reinalda representava para nós, a garotada (era mesmo assim que nos tratavam e consideravam, mesmo que já entrados na adolescência) o maior atractivo. O terreno tinha um declive acentuado que, coberto de relva, dava para rebolarmos por ali abaixo numa explosão de gritaria a expressar todo o gozo que aquela liberdade nos dava. Tardes inteiras a correr por ali acima e a rebolar por ali abaixo. Mas havia outras brincadeiras: apanhar grilos com uma palhinha que se enfiava nos buraquitos meio escondidos nos tufos de relva, fazer ramos de espigas, papoilas e outras floritas selvagens, ir um pouco mais além do ribeirito para apanhar azedas ou mostajos de umas árvores que por ali havia sem dono. Numas quintas que existiam mais à frente, havia também groselheiras e cerejeiras e, quantas vezes, porque conhecíamos os donos, vínhamos para casa carregados de pernadas de groselha e de cerejas.
À época da foto, eu já não era porém a miúda que rebolava na relva. Isso aconteceu até aos meus treze anos, em que também jogava ao queima e à macaca na rua e participava em corridas.
Aos quinze anos, eu já era outra pessoa. A casa e a escola eram o meu mundo e a Reinalda deixou de ser o local de brincadeira para ser um local de passeio ao domingo ou de estudo; tinha bons recantos para nos sentarmos numa pedra, de livros e cadernos na mão, se o tempo estivesse ameno. Naquele ano, o meu tio e padrinho viera de Brasil para nos visitar. Há anos radicado em São Paulo, só tinha voltado a Portugal, pela primeira vez, na altura do meu nascimento. Esta era, portanto, a segunda visita, estávamos em 1965.
Naquela altura, a chegada de um parente emigrado no Brasil ou na América, mexia com as rotinas das famílias. Tudo passava a girar em torno desse parente, enquanto por cá permanecesse. Organizavam-se passeios pelos arredores, viagens a Fátima, pic-nics à beira do Mondego e reunia-se a família para convívios e festins na casa onde estivesse instalado o emigrante. No nosso caso, isso acontecia em casa da minha avó materna.
É por isso que o meu padrinho aparece na foto, ou seja, tornado figura central da família, ele marcava presença nas nossas actividades diárias. Então, nesses dias de estudo ao ar livre, em vésperas de final de ano lectivo, com exames à porta, o meu padrinho aparecia, conversava um bocado e, por sua iniciativa, registou-se aquele momento graças ao aluguer de uma máquina fotográfica num dos fotógrafos da cidade. Não foi a única foto, existem outras do mesmo dia e de outros dias, como esta aqui à direita. As diferenças são várias: nesta, o cenário passou a ser o Parque, as nossas queridas batas escolares ficaram em casa e está presente o meu irmão.
As amigas que estão comigo na foto, viviam na minha casa na qualidade de hóspedes-estudantes. Era prática da altura as famílias receberem, como hóspedes, os jovens das aldeias que, após concluída a 4.ª classe e feito com êxito o exame de admissão, vinham continuar os estudos no Liceu ou na Escola Técnica, principais estabelecimentos de ensino na cidade. Esses jovens, uma vez instalados numa casa de família, passavam a fazer parte dela, sendo como tal tratados e acarinhados. Seguindo essa prática, os meus pais também acolheram alguns desses jovens, pelos quais se tornaram responsáveis, tal como por mim e pelo meu irmão, que igualmente estudávamos nos referidos estabelecimentos de ensino.
O tempo passou, tudo mudou, não resta mais nada do que era o nosso viver diário.
À excepção de uma delas, as amigas da foto, bem como outros jovens que, na mesma época, partilharam comigo tecto, alegrias e tristezas, dispersaram-se e os contactos romperam-se.
Restaram algumas fotos e, por enquanto, as recordações.