sábado, 23 de outubro de 2010

Novembro de 1983


Novembro de 1983


Afinal, "havia outras"!
Como estas, por exemplo.
Quando escrevi aqui a propósito de uma foto de 1976, estava convencida de que teria perdido o rasto a outras do período em que trabalhei na ex- Caixa do Comércio.
Foi o acaso que me trouxe estas às mãos. E não só estas, também umas de Novembro de 1982 mas que, por estarem em pior estado e reproduzirem o mesmo evento e mostrarem mais ou menos as mesmas pessoas, optei por não incluí-las também.
Penso que estão aqui muitas das que eram minhas colegas, no ano de 1983. Um ano em que eu praticamente já não pertencia à Instituição porque começara a leccionar no ano anterior, embora ainda provisoriamente. Para isso, recorri a licenças sem vencimento e, nos intervalos, (férias lectivas ou compasso de espera pela colocação após novo mini-concurso), eu regressava ao meu trabalho.
Nestas fotos, nós estamos, mais uma vez, a celebrar o São Martinho. Para mim, foi a última vez, dado que a minha colocação seguinte ocorreu uns dias depois e a partir de então entrei em licença ilimitada por mais de um ano até que pedi a exoneração.

Na foto da esquerda, estão duas colegas com quem ainda, até hoje, mantenho contacto ( a Aida e a Mariazinha) mas na foto da direita, em que me encontro, todos os contactos se romperam e, infelizmente, duas das colegas ( a Irene e a Ascensão) já nem se encontram entre nós.
Voltando ao São Martinho.
Não havia ano em que não festejássemos a preceito, ou seja, nessa tarde, o trabalho ficava para mais tarde, atendendo-se ao estritamente urgente - leia-se, suporte ao atendimento do público, que não podia parar. As chefias, em alguns sectores, fechavam os olhos a esta comemoração, mas noutros aderiam abertamente aos festejos, que se traduziam nos comes e bebes (às vezes mais nos bebes) e com as castanhas como rainhas da festa. De alto a baixo, no edifício, não havia sala em que não cheirasse fortemente à erva doce das castanhas cozidas ou ao inconfundível cheiro das castanhas assadas e ao chouriço e frango assados, que eram alguns dos petiscos mais apreciados e cozinhados ali mesmo, nos vários recantos que existiam, onde se montavam os assadores, grelhadores ou pequenos fogões e dispunham os tachos e panelas, tudo materiais que se traziam de casa, bem como as frutas, ou os doces, os bolos e outros mimos que se faziam para a ocasião e era suposto obterem a apreciação e aprovação dos colegas. Assim, as fotos mostram duas das salas em que estava instalada a secção a que eu pertencia, transformadas em "cantina", com toda a gente em convívio bem disposto. Lembro-me bem como alguns colegas (eles e elas) ficavam até alegres para além da conta e se viam depois aflitos para se recompor e chegar a casa em condições. Não me refiro só aos colegas da secção mas a todos os outros que trabalhavam na Instituição e tinham estado envolvidos em idêntico festim.
É verdade que celebrei muitos outros dias de São Martinho nos vários locais onde trabalhei depois, desde as Escolas a outros organismos do Ministério da Educação. Os petiscos eram praticamente os mesmos, embora fossem mudando os rituais, ou seja, tudo passou a comprar-se já pronto, quando muito, cada um encarregava-se de levar um doce ou bolo, mas até isso passou a ser comprado na hora e não feito em casa, com brio, para ser exibido e apreciado.
Não sei se por tudo ter mudado, se por uma questão nostálgica de tempos idos, de juventude que já se foi, o facto é que é unicamente desses São Martinhos antigos que retenho memórias, tanto das pessoas como do espaço onde tudo se passava e que ainda consigo visualizar.

sábado, 22 de maio de 2010

Finalistas 65/66

Finalistas de 65/66


Ano Lectivo de 1965/1966

O meu Livro de Finalistas da Escola Industrial e Comercial da Guarda




Foto: dos alunos finalistas do Curso Geral do Comércio (que era o meu)



Outros cursos de que igualmente se encontram retratados, no Livro, os finalistas: De Aperfeiçoamento do Comércio, Industrial, e de Formação Feminina.

Tenho ainda bem presente esse ano lectivo e a razão deve-se ao facto de o mesmo me ter corrido de feição, tanto do ponto de vista escolar como pessoal. Senti-me, nesse ano, muito mais confiante nas minhas capacidades, nas minhas decisões, nos meus relacionamentos com os colegas e professores. Recordo-me que os dias dos exames foram uma perfeita loucura, principalmente no que tocou às provas orais. Fazia-se uma, sempre debaixo de enorme nervosismo perante um júri austero e uma larga assistência dos outros alunos e, mal terminava, já estavamos a ser chamados para outra, na sala ao lado. Como já disse, tudo me correu bem, fiquei até dispensada de algumas orais devido a boas notas obtidas nas provas escritas. Mas (há sempre um mas...), ainda apanhei um susto com a oral de uma das disciplinas, aquela que nunca seria suposto assustar alguém: Economia Doméstica! Tentarei resumir a história: não havia dispensas de prova oral nesta disciplina, fosse qual fosse a nota obtida na prova escrita. Então, no dia da prova oral, encontrava-me na sala a assistir às provas das colegas e a aguardar a minha vez. A certa altura, tendo-me assegurado de que, antes de mim, ainda seriam chamadas umas três, saí rapidamente para ir à casa de banho. Entrei ainda não tinham sequer decorrido cinco minutos mas já a ouvir o final do meu nome. Aturdida, fui directamente para a secretária de examinanda e, para meu desgosto e atrapalhação, o exame começou com uma reprimenda da professora por me ter ausentado. Nem valia a pena justificar-me, ela não aceitaria qualquer justificação. A partir daí, tudo o que ela me perguntou sobre a matéria (que incidiu exclusivamente em culinária), varrera-se completamente da minha cabeça. Quis por força que eu explicasse como se faziam os "peixinhos da horta" e a mim pareceu-me que era a primeira vez que ouvia falar em tal coisa, embora, em casa, fosse um prato que se cozinhava com alguma frequência. Valeu-me então uma outra professora do júri (que infelizmente nos deixou cedo, mas essa é outra história que talvez um dia conte) que, vendo-me tão aflita e quase à beira das lágrimas, pediu à colega que mudasse de tema e me questionasse sobre outro assunto. Assim foi, consegui acalmar-me um pouco e lá respondi mais ou menos, mas valeu-me uma nota de 10, a única!
Com o Curso terminado, a passagem pela Escola Técnica já estava praticamente a fazer parte do meu passado. Ou assim eu o imaginava, mas estava enganada. De facto, grande parte dos meus colegas iria ainda frequentar, no ano lectivo seguinte, a Secção Preparatória Comercial, a fim de poderem prosseguir depois os seus estudos, no Instituto Comercial em Lisboa ou no Porto. Não era isso que eu queria para mim, ou seja, desejava sim um dia voltar aos estudos, quem sabe ingressar numa Universidade, mas nunca no Instituto Comercial, para o qual não me sentia minimamente vocacionada. Além do mais as disciplinas que me esperavam na Secção, apesar de serem só três, Português, Físico-Química e Matemática já eram, especialmente as duas últimas, pesadelo suficiente para me fazer querer ficar longe. O que eu queria mesmo, naquela altura, era conseguir um emprego, de preferência em Lisboa.
Os meus familiares, os meus colegas e amigos, não entendiam esta minha atitude e bastante argumentaram para me convencer a matricular-me na Secção Preparatória: - depois logo se veria - diziam - eu era nova, tinha muito tempo à minha frente, o emprego podia esperar mais um ano. Eu porém estava firme na minha decisão, pensava que nada me faria alterá-la mas, mais uma vez, estava enganada; bastou que uma certa pessoa, que nem era familiar, nem colega de escola, nem sequer amigo, me olhasse nos olhos e me dissesse mais ou menos isto e sem dar hipótese a qualquer argumentação: - claro que se vai matricular na Secção Preparatória, cá estamos para ajudar no que for preciso.
E foi assim que, no último dia do prazo e para grande surpresa e alegria das minhas colegas e amigas, me fui matricular na Secção Preparatória Comercial e voltei, com elas, à Escola Técnica. Foi um ano lectivo difícil, muitas vezes me lamentei por me ter deixado convencer, mas se não tenho concluído essa Secção, encontraria depois algumas portas fechadas para mim, e a minha vida profissional não teria tido o rumo que teve, que era, afinal, o que eu queria que tivesse.
Mas voltando ao livro, o seu conteúdo é composto de 3 grandes fotos de grupo, ou seja, dos estudantes de cada Curso, de algumas páginas dedicadas aos patrocinadores e as restantes são páginas de versos, uma por cada finalista. Esses versos, muito simples e a puxar à rima fácil ou forçada, resumiam o que, familiares, colegas e amigos, sentiam e desejavam para o futuro de cada jovem, findo aquele ciclo de vida académica.
No meu caso, foi a minha mãe e uma colega, a Conceição, que me preencheram a página com quadras desse mesmo teor.

Este livrinho andou desaparecido durante anos a fio. No entanto, mudara-se comigo de localidade para localidade, de casa para casa e, por fim, para aqui ficou arrumadinho, em sítio de que me esqueci. Quando, por mero acaso, dei com ele há uma meia dúzia de anos, quase tive um choque. Ali estava eu junto dos meus colegas, com a minha bata branca e com um meio sorriso para a foto. Aliás as expressões e postura de todos nós são muito idênticas: sorrisos q.b., as batas brancas que sei estarem impecáveis, braços ao longo do corpo, muito direitas e bem alinhadas na escadaria. Falo das raparigas, porque os rapazes estão lá para trás, como não podia deixar de ser, e todos engravatados porque assim é que era. Parecemos fazer parte de um coro!
Posiciono-me no grupinho da frente e, logo atrás de mim, está a minha prima Amélia e atrás dela a minha amiga Mª José, a única com quem até hoje ainda mantenho contacto, embora com algumas interrupções pelo meio, ao longo destes mais de quarenta anos.
Olho e volto a olhar e não consigo lembrar-me, em muitos casos, de quem é quem. Nas raparigas, ainda consigo identificar, entre as vinte e sete, talvez umas vinte, mas nos rapazes, nem um. Lembro-me dos nomes (eles estão no livro) mas não consigo fazer-lhes corresponder as caras. Isso incomoda-me, inquieta-me.
Estou tão senil assim?
Que será feito de cada um destes meus colegas? E das minhas mais que colegas, amigas? Que terão feito da vida?
Será que alguns se têm cruzado comigo por aí e não nos reconhecemos?
Bem, as interrogações não acabariam, mas ponto final.
Quem me responderia?!
Ah!
Se alguém que me conheça algum dia ler isto, sou capaz de apostar que terá ficado a pensar em quem terá sido a tal pessoa que me fez repensar uma decisão. Como escrevi, essa pessoa não era nada meu mas, paradoxalmente, tinha um ascendente bastante forte sobre mim. É mais uma das minhas histórias de vida, não sei se alguma vez a contarei...

sexta-feira, 12 de março de 2010

Reinalda / Torreão

Reinalda /Torreão


Finalmente as fotos que pretendia colocar aqui!


Eu poderia ser, não a Nini da canção mas a Lili dos 15 anos... acompanhada de outras moças a rondar pela mesma idade, e de um senhor já de cabelos brancos.
Refiro-me a mim como Lili porque, já na minha idade bem adulta, houve quem passasse a chamar-se assim, coisa que dura até hoje.
Mas voltando à época da minha juventude e às minhas recordações, começo por localizar o cenário da foto: um terreno baldio, bem próximo da minha casa, na Guarda, a que chamávamos Reinalda. Nunca cheguei a saber se este era o nome verdadeio desse baldio, mas o terreno que lhe dava contiguidade, o Torreão, esse sim, ainda hoje, o que resta dele, tem essa designação, bem como o arruamento próximo.

Tenho muito boas lembranças deste sítio, refiro-me principalmente à Reinalda, pela maior proximidade. Na Primavera, quando as florinhas e as espigas campestres despontavam por todo o lado e as árvores se enchiam de rebentos e folhas, a paisagem que se avistava lá de cima da varanda ou das janelas, era um regalo para a vista. Mais ao longe, ainda se avistavam, um fio de água do ribeirito que corria e onde algumas mulheres ainda iam lavar a roupa, e uns cortelhos feitos de tábuas desengoçadas, onde alguns porcos aguardavam pelas viandas diárias que outras mulheres transportavam à cabeça, em baldes de zinco, assentes nas rodilhas feitas de trapos (panos velhos). As viandas, além de cargas pesadas, eram nojentas, uma vez que consistiam nas sobras alimentares recolhidas em cada casa por essas mulheres (as donas dos porcos), que assim os alimentavam, sem mais despesas. Tudo o que fosse desperdícios de comida, ia para o balde de zinco que se escondia debaixo do lava-louça e que, logo que enchesse, seria recolhido por uma dessas mulheres, normalmente pessoa conhecida, vizinha.

Mas era no Verão que a Reinalda representava para nós, a garotada (era mesmo assim que nos tratavam e consideravam, mesmo que já entrados na adolescência) o maior atractivo. O terreno tinha um declive acentuado que, coberto de relva, dava para rebolarmos por ali abaixo numa explosão de gritaria a expressar todo o gozo que aquela liberdade nos dava. Tardes inteiras a correr por ali acima e a rebolar por ali abaixo. Mas havia outras brincadeiras: apanhar grilos com uma palhinha que se enfiava nos buraquitos meio escondidos nos tufos de relva, fazer ramos de espigas, papoilas e outras floritas selvagens, ir um pouco mais além do ribeirito para apanhar azedas ou mostajos de umas árvores que por ali havia sem dono. Numas quintas que existiam mais à frente, havia também groselheiras e cerejeiras e, quantas vezes, porque conhecíamos os donos, vínhamos para casa carregados de pernadas de groselha e de cerejas.

À época da foto, eu já não era porém a miúda que rebolava na relva. Isso aconteceu até aos meus treze anos, em que também jogava ao queima e à macaca na rua e participava em corridas.

Aos quinze anos, eu já era outra pessoa. A casa e a escola eram o meu mundo e a Reinalda deixou de ser o local de brincadeira para ser um local de passeio ao domingo ou de estudo; tinha bons recantos para nos sentarmos numa pedra, de livros e cadernos na mão, se o tempo estivesse ameno. Naquele ano, o meu tio e padrinho viera de Brasil para nos visitar. Há anos radicado em São Paulo, só tinha voltado a Portugal, pela primeira vez, na altura do meu nascimento. Esta era, portanto, a segunda visita, estávamos em 1965.

Naquela altura, a chegada de um parente emigrado no Brasil ou na América, mexia com as rotinas das famílias. Tudo passava a girar em torno desse parente, enquanto por cá permanecesse. Organizavam-se passeios pelos arredores, viagens a Fátima, pic-nics à beira do Mondego e reunia-se a família para convívios e festins na casa onde estivesse instalado o emigrante. No nosso caso, isso acontecia em casa da minha avó materna.

É por isso que o meu padrinho aparece na foto, ou seja, tornado figura central da família, ele marcava presença nas nossas actividades diárias. Então, nesses dias de estudo ao ar livre, em vésperas de final de ano lectivo, com exames à porta, o meu padrinho aparecia, conversava um bocado e, por sua iniciativa, registou-se aquele momento graças ao aluguer de uma máquina fotográfica num dos fotógrafos da cidade. Não foi a única foto, existem outras do mesmo dia e de outros dias, como esta aqui à direita. As diferenças são várias: nesta, o cenário passou a ser o Parque, as nossas queridas batas escolares ficaram em casa e está presente o meu irmão.

As amigas que estão comigo na foto, viviam na minha casa na qualidade de hóspedes-estudantes. Era prática da altura as famílias receberem, como hóspedes, os jovens das aldeias que, após concluída a 4.ª classe e feito com êxito o exame de admissão, vinham continuar os estudos no Liceu ou na Escola Técnica, principais estabelecimentos de ensino na cidade. Esses jovens, uma vez instalados numa casa de família, passavam a fazer parte dela, sendo como tal tratados e acarinhados. Seguindo essa prática, os meus pais também acolheram alguns desses jovens, pelos quais se tornaram responsáveis, tal como por mim e pelo meu irmão, que igualmente estudávamos nos referidos estabelecimentos de ensino.

O tempo passou, tudo mudou, não resta mais nada do que era o nosso viver diário.

À excepção de uma delas, as amigas da foto, bem como outros jovens que, na mesma época, partilharam comigo tecto, alegrias e tristezas, dispersaram-se e os contactos romperam-se.

Restaram algumas fotos e, por enquanto, as recordações.